Um gene que cientistas suspeitam que esteja envolvido no desenvolvimento da linguagem humana foi inserido em camundongos na Alemanha. Como resultado, os roedores demonstraram uma série de alterações vocais e de comportamento. Ciência, 1º de junho de 2009
AS PRIMEIRAS mudanças ocorridas no camundongo que tinha recebido o gene com características da linguagem humana foram surpreendentes. O bicho já não emitia os fracos guinchos característicos de sua espécie; pelo contrário, os sons que emitia eram altos e fortes, tão altos e tão fortes que faziam tremer os outros roedores. E isso ainda não era nada comparado com o que estava por vir.
Aos poucos, os pesquisadores começaram a notar que as mudanças não se restringiam a isso, que o camundongo não apenas guinchava: ele agora tinha uma voz indiscutivelmente humana. Falava como uma pessoa do sexo masculino. Falava, não. Na verdade, cantava. E cantava muito bem, com uma excelente voz de tenor. Árias como "Nessun Dorma", da ópera "Turandot", de Giaccomo Puccini saíam de sua garganta com a maior facilidade: "Nessun dorma!... Tu pure, o Principessa,/ nella tua fredda stanza/ guardi le stelle".Mas como teria sido isso possível?
O mistério foi esclarecido quando se soube que o anônimo doador -um humilde funcionário do laboratório- era cantor nas horas vagas.
Mas cantor apenas razoável. A mudança genética ocorrida no camundongo acompanhara-se de um verdadeiro milagre. Ele cantava todo o repertório do funcionário com voz excepcional. Perto dele, Susan Boyle, a escocesa que um programa de amadores tinha revelado como grande cantora, era fichinha.
A notícia se espalhou e logo apareceu no laboratório um famoso empresário, entusiasmado com a história do camundongo tenor. "Isto não pode ficar restrito a um instituto de pesquisas", disse ao diretor. O mundo precisava conhecer aquele prodígio. Mais que isso: a enorme renda a ser proporcionada pelos concertos do camundongo poderia financiar a instituição, que, por causa da crise, lidava com enormes dificuldades.
Ainda assim o diretor estava indeciso. Temia ser acusado de mercenário, de ter utilizado uma originalíssima pesquisa como forma de ganhar dinheiro, mesmo que a grana fosse para finalidades nobres. Reuniu a equipe, discutiram longamente e depois de uma apertada votação decidiram assinar o contrato que lhes era apresentado pelo empresário. Uma cláusula desse contrato dizia que o roedor ficaria sob a guarda do próprio empresário.
Infausto dispositivo.
Assinado o contrato, o empresário foi para sua casa, levando a gaiola com o camundongo tenor. Colocou-a na sala de visitas e, depois de deixar bastante queijo (da melhor qualidade) para o contratado, foi dormir, feliz.
Esperava acordar de manhã com o "Nessun Dorma". Mas isto não aconteceu. Reinava o maior silêncio no apartamento. Tomado por maus pressentimentos, o homem correu até a sala de visitas.
A gaiola estava vazia. Sua frágil portinhola tinha sido arrombada.
Por quem? Por algum empresário rival? Não. A resposta encontrava-se ali mesmo.
Diante da gaiola, com ar satisfeito, estava o gato do empresário. Que, evidentemente, tinha feito uma lauta refeição. E acabara com os planos de seu dono.
O empresário espera que o gato, tendo incorporado o material genético do camundongo, transforme-se também num tenor. Mas isso, pelo jeito, não vai acontecer. O gato continua miando como todos os outros gatos. Um miado muito desagradável.
Folha de S. Paulo, 15/6/2009