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O calendário político

 

A tese de que a Justiça deve prestar atenção ao calendário eleitoral para julgar seus casos mais polêmicos que envolvam políticos foi desenvolvida primeiro pelo ex-presidente Lula, que pressionou o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes para que trabalhasse pelo adiamento do julgamento do processo do mensalão alegando que ele coincidiria com a eleição para Prefeito e poderia prejudicar o PT, sobretudo em São Paulo.

O STF manteve seu calendário próprio e o PT elegeu Fernando Haddad para a Prefeitura paulistana. Agora, os petistas de maneira geral e seus aliados na imprensa, especialmente nos blogs patrocinados pelo governo, desencadeiam uma campanha sórdida contra o Juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná, atribuindo a uma manobra dele a divulgação dos depoimentos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Yousseff relatando como se processava o esquema de corrupção dentro da estatal, que transferia dinheiro desviado de grandes obras para os cofres dos partidos políticos PT, PP e PMDB.

Até mesmo dizer que o juiz estaria agindo de maneira célere para ajudar o candidato do PSDB, Aécio Neves, e em recompensa, ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal (STF) em um eventual governo tucano, foi aventado. Em primeiro lugar, sempre se pediu que a Justiça brasileira fosse mais rápida, e quando um Juiz cumpre seu dever, é acusado de estar levando o processo rápido demais.

A insinuação maldosa de que estaria trabalhando para ser nomeado para o STF tem base em uma lista tríplice organizada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) para indicar nomes em substituição a Joaquim Barbosa. Moro foi o mais votado dos três, o que não garante a sua nomeação, pois não é através de associações de classe que são escolhidos os ministros do Supremo. O lugar na lista, no entanto, mostra que ele é bem avaliado por seus pares, o que o faz naturalmente um candidato sério à uma vaga no STF.

O juiz Sérgio Moro, aliás, é reconhecido como uma especialista em lavagem de dinheiro e trabalhou assessorando a ministra Rosa Weber durante o julgamento do mensalão. Sua escolha foi uma indicação, comentada na época, de que a ministra seria dura com os réus, pois Moro tem fama de ser bastante rigoroso.

Essa fama, justamente, indica que ele não transgrediria a lei para beneficiar politicamente este ou aquele partido. Ele já dera uma entrevista explicando que os atuais depoimentos não se referem à delação premiada, que, esta sim, é protegida pelo segredo de Justiça. Ontem foi a vez da mesma Ajufe divulgar nota hoje defendendo o trabalho da Justiça Federal no Paraná, no caso da divulgação dos depoimentos do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e do doleiro Youssef.

A nota esclarece mais uma vez que os processos judiciais "são públicos e qualquer pessoa pode ter acesso, inclusive às audiências, salvo nas hipóteses de segredo de Justiça, de acordo com as previsões legais dos artigos 5º, LX, e 93, IX da Constituição". As dez ações penais da Operação Lava Jato na 13ª vara federal da Justiça Federal do Paraná não correm em segredo de justiça, incluindo a dos interrogatórios de Costa e Youssef. De acordo com a nota, tais depoimentos não devem ser confundidos com outros realizados decorrentes de acordo de delação premiada.

Estes últimos, sob análise do Supremo Tribunal Federal, estão em segredo de justiça. Justamente por isso o juiz Sérgio Moro instruiu os réus a não citarem neste depoimento nomes de personagens que tenham foro privilegiado, como parlamentares e governadores, pois nesses casos somente o STF ou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem atuar.

O que é de espantar é que até o momento não se tenha ouvido uma palavra de repúdio aos atos relatados pelos dois réus. Como para receber os benefícios da delação premiada os acusadores precisam provar as denúncias que apresentam, o fato de o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa estar em prisão domiciliar, com uma tornozeleira eletrônica, significa que ele provou o que disse na delação premiada.

São, portanto, não denúncias vazias, mas graves, que, pela primeira vez no Brasil, descrevem em minúcias uma cadeia de corrupção institucionalizada não apenas na maior estatal brasileira, mas em diversas obras governamentais. Esse sim é um fato estarrecedor, que deve provocar uma crise institucional gravíssima no país nos próximos anos, quando deputados, senadores e governadores eleitos poderão ser denunciados por corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, peculato, superando em gravidade até mesmo o mensalão.

O Globo, 14/10/2014