Para João Prado, filho de Caio Graco
Caio Graco está à altura de grandes ícones editoriais no Brasil, por sua resistência, por coleções como Primeiros Passos, Qual É, Tudo É História, Encanto Radical, Circo de Letras, Primeiros Voos, Redescobrindo o Brasil. Lançou Caio Fernando Abreu, Reinaldo Moraes, Ana Cristina Cesar, Marcelo Rubens Paiva, publicou Giannotti, Marilena Chaui, Jean-Claude Bernardet, Ruy Fausto, Heloísa Buarque de Hollanda. E mais, mais.
Caio me colocou à vontade. Disse que lia meus artigos sobre cinema, contei do livro, o que era, os personagens da noite, boêmios, modelos, malandros, artistas de cinema e teatro. “Me interessa, vou ler, São Paulo é uma cidade que atrai como assunto”, disse. Empurrei o original para ele e neste momento uma senhora me entregou uma xícara de café. Confusão de mãos, o café entornou, ensopou o manuscrito. Gelei. Para mim, catastrofista, acabava ali mais uma tentativa, Caio riu: “Vou publicar. Derramar café traz sorte. Você sabia! Fez de propósito”. Na hora, além do mal-estar me via a redatilografar tudo, não tinha dinheiro para contratar Marianinha de novo.
Anos depois, Caio Graco me revelou: “Nunca vi um autor falar tão pouco, não defender seu livro com unhas e dentes, na hora eu não sabia se era timidez, o quê. Em geral, escritores vêm, falam, contam, recontam, enaltecem a si próprios”. Era a minha timidez, os Prados eram mitos. Caio Graco era alto, jeitão de playboy, cheio de autoconfiança, afável.
Uma tarde, quatro da tarde, eu estava na redação, recebi um chamado dele: “Seu livro está pronto em cima da minha mesa”. O jornal era no Anhangabaú, ao lado do Viaduto Santa Ifigênia, a Brasiliense na Barão de Itapetininga. Sai voando e, quando entrei na sala, Caio ainda estava desligando o telefone. Deu uma gargalhada. Pena que a história da literatura não me tenha registrado como um novo Fidípides. Vá ao Google.
Apanhei o meu primeiro livro, capa de um craque, o fotógrafo Apolo Silveira, dos melhores na moda e na publicidade. Marilene Silva, bailarina da Record, posou. Maurice Capovilla, futuro cineasta, escreveu a orelha, me elogiou, éramos da mesma patota, amigos da imprensa cobriram. Uma tarde, fui levado à TV Record para o programa Lima da Light. Lembram-se de Limelight, do Chaplin? Bruta audiência. Ali se falava de tudo. Entrei, era um microestúdio, Lima, o câmera, eu. Ele fez a pergunta inicial, entrou um comercial, Lima me disse: “Fique falando dez minutos sobre o livro, volto já”. Desapareceu. Baita saia-justa. Falar? Eu? Aquele magrelo, cara brava, desajeitado, escrevia. Não falava. O que eram dez minutos em TV? Hoje sei, é muito. O câmera fez sinal, vai, vai, vai. Falei, suei, falei. Nunca soube o que disse. Era tudo ao vivo.
Na noite de autógrafos em outubro de 1965, a Livraria Brasiliense, na Rua Barão de Itapetininga, lotou. Quando cheguei à livraria, o primeiro abraço foi do Jô Soares, o segundo do Marco Antonio Rocha, o terceiro foi para uma linda jovem de olhos verdes, Conceição, filha do mais poderoso líder sindical da época, o temido Salvador Romano Losacco. Depois, perdi a conta. O primeiro autógrafo, para minha glória, foi no exemplar de Cacilda Becker. Volto ao assunto, Caio e a Brasiliense não se esgotam em tão breves linhas.