Caminhando, apesar do gerúndio, foi uma canção de muito sucesso. A canção marcou época, na voz do seu autor, Geraldo Vandré. Até hoje é muito lembrada. Essa história de empregar o gerúndio, na língua portuguesa, nem sempre é bem recebida. Ao contrário, há certa ojeriza por essa forma verbal. A razão não é bem conhecida.
Há épocas em que o gerúndio fica quieto no seu canto. Tipo dor lombar, que só aparece de vez
A mania vem, principalmente, das empresas operadoras de telemarketing, hoje com 630 mil profissionais. Não se trata de certo ou errado, como a nossa imprensa quis qualificar, mas de adequado ou não adequado. Reparem: "Vamos estar transferindo sua ligação." - diz a representante da empresa de call center. Não seria muito mais simples e direto afirmar "Vamos transferir a sua ligação?" Outras são mais enroladas ainda: "Vamos estar podendo confirmar seu pedido." Ou "A empresa vai estar enviando sua compra." Por que esse circunlóquio, essa volta desnecessária?
Já existe até uma cartilha em preparo para amenizar esse vício. Aliás, os seus organizadores vão aproveitar o embalo e tentar colaborar para evitar outros erros corriqueiros, como acontece em regências, concordâncias, acentuação e pontuação. Quantos de nós estamos nos habituando a ouvir a palavra "rúbrica" em vez de rubrica? E o popularíssimo "gratuíto" que tanto incomoda os nossos ouvidos?
A cartilha, em três versões, será distribuída por escolas públicas estaduais e municipais. É mais ou menos como uma campanha contra a dengue, que exige cuidados especiais. Com direito até a camionete que espalha pela região afetada o pó salvador, o que mata o mosquito. Em nosso caso, um antídoto contra os cacoetes de linguagem, hoje lamentavelmente incorporados à forma como se ensina a língua portuguesa em todo o país. Há graves lacunas, algumas específicas de determinadas regiões, mas no conjunto a exigir uma ação enérgica de correção por parte das autoridades que ainda amam a língua "inculta e bela" no dizer do poeta, que herdamos dos nossos colonizadores.
Um bom conselho que se pode dar aos organizadores dessas campanhas é a dessacralização do livro. Torná-lo mais popular, bem mais, para que seja alvo do interesse do público jovem. Se não se cria um hábito, que pelo menos nasça o gosto pela leitura, que o livro seja um bom companheiro dos jovens, em todos os momentos. Ocorre-nos a lembrança de repetir o que se faz no México, nos trens do seu metrô. Coloca-se à disposição dos passageiros livros na entrada do vagão, livros de bolso, mas de bons autores, para serem manuseados durante as viagens. Quando salta, o passageiro se obriga, disciplinadamente, a devolver o volume, recolocando-o numa prateleira. Assim, todos têm acesso democrático ao livro, podendo complementar a sua leitura, se for o caso, em duas ou três viagens. Por que não se adota esse procedimento em nosso sistema metroviário?
Recordemos Miguel de Unamuno: "Ler, ler, ler, viver a vida que outros têm sonhado/ ler, ler, ler, a alma se esquece das coisas que passaram." A leitura é o espaço da originalidade, não percamos isso de vista.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 01/07/2006