Realizar-se-á no Brasil, em abril de 2010, o próximo Encontro Mundial da Aliança das Civilizações, das Nações Unidas. É a terceira etapa deste projeto, tão fascinante quanto ambicioso, da Espanha e da Turquia, de buscar o diálogo entre os protagonistas viscerais de um mundo que, após o 11 de Setembro, corria no governo Bush ao confronto das culturas e ao medo internacional sem retorno.
O júbilo com que foi recebida, em Istambul, a candidatura brasileira traduzia a visão dessas novas estratégias, de possível convívio, para além dos eixos de dominação do mundo global, de antes de Barack Obama. Na confluência entre os presidentes Zapatero e o primeiro-ministro Erdogan repercutia o escape a um Ocidente duro e saxão, apontando ao Mediterrâneo, como polo emergente por uma real condição de diálogo com o mundo islâmico e reconhecendo neste as diversidades entre os universos árabe, turco, iraniano ou magrebino.
Incorporando-se à linha de frente desta mudança de perspectiva, o Brasil avança, no questionamento na América Latina, de uma visão ainda colonial do Ocidente, pela violência do implante das culturas ibéricas, levadas a pseudo identidades nacionais, de muitas das independências do século 19.
O 11 de Setembro pôs em causa a violência da expropriação que, na ocidentalização dos séculos 19 e 20, levou à perda da alma das culturas islâmicas a ela submetidas. Não é outro o choque com que o Ocidente se dá conta de uma visão de quase martírio com que os terroristas do World Trade Center podem ser cultuados, no Iêmen ou em Omã, como vingadores da altivez islâmica, quebrada pela sujeição do fetichismo consumista e às economias de mercado extrativista clássico. A América Latina de hoje depara-se, na dita revolução bolivariana, com a reformulação do mapa andino, de par com o reclamo, pelo Estado Aimara ou Quétchua, rachando eventualmente em nome da autenticidade pré-colonial a Bolívia e o Equador de hoje.
A Aliança das Civilizações se dá conta de como toda reemergência não-hegemônica da globalização não fica no plano econômico e social, mas desce à primeira identidade básica, a atingir hoje os próprios pressupostos de seu desenvolvimento nacional, como visto ainda há meio século. Mas nesta retomada radical da ideia de mudança, o Brasil ganha destaque ímpar na proposta democrática do seu empenho, em claro contraste, por exemplo, com os ditos Estados bolivarianos.
O respeito internacional encimado hoje pela posição de Obama frente a Lula é o do Brasil que não muda as regras do jogo das suas reeleições, enfrenta os controles entre os poderes e avança na plataforma prioritária do pleno reconhecimento dos direitos humanos, característica hoje fundamental do nosso Estado de Direito. O cacife externo do país é o remate natural do governo Lula, a mal capitalizar, ainda, a sua capacidade de mediação além-Atlântico. E Lula do G-20 se transforma no parceiro inesperado para avançarmos nas negociações de Gaza, senão a de sermos bem-vindos nos desbloqueios dos impasses de Darfur. E apenas começa, após a palidez latino-americana, o Brasil dos Brics.
Jornal do Brasil (RJ), 29/4/2009