Outro dia, em Veneza, onde estive a trabalho, fiquei sabendo de um gondoleiro que, ao deslizar pelos canais cantando a plenos pulmões a eterna "O Sole Mio", foi desacatado pelo passageiro. Era um americano das antigas, red neck e com restos de macarrão nas barbas, revoltado com a, para ele, desfiguração da sacrossanta "It’s Now or Never" —"de Elvis Presley". E não se conformou quando lhe disseram que "It’s Now or Never", de 1960, era apenas uma versão chinfrim em inglês de "O Sole Mio", de Edoardo de Capua e Giovanni Capurro, lançada por Enrico Caruso em... 1899!
Alguns radicais incultos reagem mal ao saber que grandes sucessos dos grupos que eles vêem como "rebeldes" eram covers de canções lindamente caretas. Dois dos primeiros top five dos Beatles, em 1963, foram "Ain’t She Sweet", sucesso de Gene Austin em 1927, e "Till There Was You", principal canção do musical da Broadway "The Music Man", de 1957. Sem falar em que, num compacto também de 1963, os Beatles gravaram até a já surradérrima "When the Saints Go Marching In", de 1896!
Nem os Rolling Stones se furtaram ao cover. Um de seus primeiros discos continha "Route 66", genial canção de Bobby Troup imortalizada em 1946 por Nat King Cole, ainda no tempo do King Cole Trio. Em 1968, Mama Cass, com o The Mamas & The Papas, estourou com "Dream a Little Dream of Me", de 1931, sucesso de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong em 1950. E Janis Joplin explodiu em 1968 com "Summertime", de George Gershwin, da ópera-jazz "Porgy and Bess", de 1935.
Nenhuma dessas cópias supera os originais, claro. Mas há uma que quase empata: a de "East St. Louis Toodle-Oo", o tema instrumental que consagrou a orquestra de Duke Ellington em 1927, regravada magistralmente pelo grupo Steely Dan, em 1974, com os pedais wa-wa das guitarras recriando a surdina de Bubber Miley.
O bom nunca fica velho ou careta.