A gravidade dos acontecimentos em Washington, onde militantes a favor de Trump cercaram e invadiram o Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos, impedindo a formalização da eleição de Joe Biden como novo presidente, tem repercussão no mundo ocidental como um todo, e entre nós, que temos um presidente da República que já se mostrou capaz de estimular a tentativa de desacreditar instituições democráticas como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.
Ao mesmo tempo em que, na capital, a democracia americana era desafiada por uma horda incentivada pelo próprio presidente da República, na Geórgia, um estado confederado, pela primeira vez na história um senador negro era eleito, o pastor Raphael Warnock, que atua na mesma igreja do Reverendo Martin Luther King. Essa vitória uniu-se a outra, de Jon Ossof, um jornalista e produtor de cinema.
A garantia da maioria no Senado para o partido de Biden foi uma resposta clara do eleitorado americano de apoio a uma mudança radical do novo governante, que terá nos primeiros dois anos as duas Casas do Congresso com maioria para aprovar as reformas que pretende.
As disputas na Geórgia eram fundamentais para ambos os partidos, e ficou claro que Trump não tinha mais forças para vencer no Estado em que ele garante ter vencido a eleição por uma margem grande, quando na verdade a derrota num reduto republicano refletiu a derrota nacional, mesmo que apertada.
O ainda presidente Trump estimulou desde dias atrás a manifestação de ontem, e, mesmo diante da catástrofe que seus militantes promoveram no Capitólio, levou tempo para enviar mensagem para que voltassem para casa. Mesmo assim, reafirmou que a eleição foi roubada e se solidarizou com a dor de seus militantes. Uma maneira de insistir no erro.
Foi uma tentativa de golpe, que aproximou os Estados Unidos das “Repúblicas de Bananas” que explorou historicamente. Honduras é o país inspirador do termo, cunhado pelo escritor americano O. Henry, pseudônimo de William Sydney Porter, que passou a designar um país atrasado e dominado por governos corruptos e ditatoriais, geralmente na América Central. O principal produto desses países, a banana, era explorado pela famosa United Fruit Company, que teve um histórico de intromissões naquela região, especialmente em Honduras e Guatemala, para financiar governos que beneficiassem seus interesses econômicos, sempre apoiada pelo governo dos Estados Unidos.
Desta vez, para espanto dos americanos que defendem a democracia, foi o próprio governante dos Estados Unidos quem batalhou durante meses para alterar o resultado eleitoral, apelando para todos os métodos, legais e ilegais, para não sair da Casa Branca. Faltam duas semanas para que o presidente eleito Joe Biden seja empossado, e Trump ainda tenta transformar a derrota em vitória.
Nesse período, Trump usou medidas dignas de uma “República das Bananas”: demitiu mais um secretário de Defesa, Mark Esper. Todos, de uma maneira ou de outra, recusaram-se a adotar planos políticos de Trump. Em uma reunião na Casa Branca, discutiu-se a possibilidade de colocar o país sob lei marcial, para refazer as eleições nos Estados em que Trump afirmava ter vencido.
O uso militar para fins políticos esteve nos cálculos de Trump, tanto assim que vários ex-secretários de Defesa assinaram um manifesto onde afirmam que a eleição acabou e que os militares deveriam ficar de fora do embate político. Muito parecido com o que acontece entre nós, onde um presidente oriundo das Forças Armadas, praticamente expulso por atos de indisciplina, manipula os diversos escalões militares sendo o que sempre foi, um deputado do baixo clero que vive de atender as demandas corporativas dos militares.