O canal GNT da Net apresenta, todas as semanas, o Alternativa Saúde. Independente da audiência que tem, o simples fato de existir um programa com este nome já chama a atenção para a popularidade do tema. Os números o confirmam. Uma recente enquete realizada nos Estados Unidos mostra que 75% dos entrevistados já havia recorrido a alguma forma do que agora está sendo chamado de medicina alternativa e complementar (MAC), indo desde a prece até o herbalismo, meditação, megavitaminas, cartilagem de tubarão. O que não chega a ser novidade. Plantas, por exemplo, sempre foram usadas para a medicina; a digital, um remédio usado no tratamento das doenças cardíacas, era extraído da dedaleira. Qual é a diferença entre a medicina ensinada na maior parte das escolas médicas e a MAC?
É que a primeira é medicina baseada em evidência. A evidência, no caso, é quantitativa, traduz-se em números, em testes estatísticos. Como sabemos que um medicamento é melhor que o outro para baixar a pressão arterial? Tomamos dois grupos de hipertensos, tão semelhantes quanto possível em termos de idade, de sexo, de níveis tensionais etc. e damos a um deles o medicamento A e a outro o medicamento B. Depois de algum tempo, comparamos os resultados mediante fórmulas estatísticas (quem faz isto, na verdade, é o computador). E aí temos a evidência, como fundamento da ciência médica.
Na imensa maioria das vezes, a MAC não faz isso. Ela se difunde mediante recomendações de pessoas que a administram ou que a usaram. Estas últimas não são pessoas sem instrução. Estudos mostraram que os usuários da MAC são adultos, com idade entre 30 e 60 anos, sexo feminino, com elevado grau de escolaridade e renda familiar alta. Mostram também que essas pessoas são, em geral, portadoras de doença crônica ou em estágio avançado, que fazem parte de alguma tradição religiosa ou de algum grupo étnico-cultural.
Ou seja: a medicina alternativa e complementar tem um tipo de apelo diferente daquele que encontramos na medicina baseada em evidência. É o apelo da fé, o apelo da emoção. Que muitos médicos aceitarão como válido. Se a pessoa tem uma doença grave, uma doença para a qual já foram esgotados os meios tradicionais de tratamento, nada impede que recorra a meios alternativos. O problema ocorre quando a pessoa troca um tratamento reconhecido por outro duvidoso e, por causa disso, começa a correr riscos. Aí temos uma situação potencialmente perigosa, e recordo de pessoas que quase morreram por causa disso; por exemplo, uma menina que teve uma dor abdominal aguda e que a mãe insistiu em tratar com algum produto vegetal. Resultado: a pequena paciente teve de ser operada de urgência. Era uma apendicite já com peritonite generalizada.
Existe na MAC um outro apelo: o apelo do alternativo. Ser alternativo é sair do padrão, do habitual, do rotineiro. É viver uma verdadeira aventura. Quando viajamos, estamos sendo alternativos. Quando usamos uma roupa diferente, estamos sendo alternativos. Quando flertamos com uma pessoa desconhecida, estamos sendo alternativos, estamos dando o nosso lugar para o Outro, sobre quem Borges escreveu um famoso texto, que começa assim: É ao Outro, a Borges, que as coisas acontecem. Borges é o escritor, e o autor do texto garante, não sem melancolia: Eu vivo somente para que Borges possa escrever sua literatura.
O outro, o alternativo, é uma dimensão inexplorada da existência, e a doença é para ela uma porta de entrada. Que eventualmente será cruzada. Mas é prudente fazê-lo com um mínimo de bom senso.
Recebi muitas mensagens acerca de meu texto sobre o Dia das Mães. Duas particularmente comoventes porque são dos drs. Felipe Antunes da Siva e Victor Dubin Wainberg, médicos do Pronto Socorro, hospital onde trabalhei e do qual sinto muitas saudades. Mães, esta é uma boa notícia: no Pronto Socorro existem muitos médicos que gostam de vocês.
Zero Hora (RS) 18/5/2008