O anjo da morte voejou nos últimos dias, ferindo-me, com seu bico, a minha sensibilidade. Morreu minha mulher. Foram quarenta anos de vida comum, sem um só atrito, como ocorre com freqüência entre casados depois de algum tempo prolongado. Levou uma das mais queridas amigas, a verdadeira amiga Dulce Simonsen. Desta guardamos a saudade dos fins de semana em sua fazenda no vizinho Jundiaí. Foram tempos inesquecíveis, fidalguia dos anfitriões e pela beleza da propriedade.
E levou, para surpresa minha que não a sabia doente, a livreira Claudie Monteil, de quem adquiri, durante anos, as últimas edições chegadas de França. Todos os sábados, infalivelmente, quando não viajava, evidentemente, lá estava eu, como estaria na livraria do Olintho de Moura, para tomar conhecimento do que de meu interesse saíra em França, e lá ia carregado de livros para casa, onde me lançava a ler à tarde e no domingo. Serviu-me muitíssimo a querida Claudie Monteil, uma livreira exemplar.
É para verter lágrimas de tristeza, com a partida de pessoas, uma a mais chegada a mim, pelo casamento, que no dia 5 de outubro do ano passado completou 40 anos, e outra, com a freqüência assídua de sua casa, acolhedora e amiga, para os amigos aos quais encantava. E a livreira notável, que São Paulo perdeu. Ao escrever esta coluna, não sei o que vai ser da livraria francesa. Faço os melhores votos que encontrem um substituto à altura da falecida, que muito fez pela difusão da cultura francesa.
Reconheço que a doença, no caso de minha mulher e de Dulce, provavelmente no caso de Claudie, também, realizou sua obra. Mas não é para lamentar de menos o roubo que fez a mim e a tantos outros, nos nomes citados, de amigas admiráveis, solidárias, sempre simpáticas e efusivas. É a vida, dir-se-á. Reconheço que é a vida, mas deve-se comigo reconhecer que não nos conformamos com essa obra da Parca, ela que tantos roubos prática em nosso calendário íntimo e nas estantes de nossa paixão.
Diário do Comércio (São Paulo) 11/01/2005