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O ambíguo legado europeu ao século XXI

 

Abre-se, em Paris, a XXVI Conferência da Academia da Latinidade, dedicada ao estudo do legado europeu no mundo, após a Primavera Árabe e a emergência da nova globalização. É largo o caminho, desde 1968, que levou a Academia a reuniões bianuais, e a começar por Teerã, Alexandria, Istambul, Baku, Cairo, Rabat. De par desdobrava-se o debate dos perigos, também, dos fundamentalismos ocidentais, tanto nos EUA, após o 11 de setembro, quanto na América Latina, na discussão da verdadeira autenticidade cultural pré-colombiana, levando aos debates de Nova York, Lima, Quito ou Mérida.

Deparam-se, agora, para além das crises financeiras ocidentais, os possíveis legados contraditórios, do visto como mais precioso do avanço civilizatório: a democracia suscitada pela Primavera Árabe levou ao retrocesso dos secularismos e à volta, em tantos países do Oriente Médio e norte africano, das religiões de Estado, ao perfil iraniano. Comprova-se o paradoxo líbio, ou seja, o da perplexidade diante do primeiro imperativo de qualquer democracia, o das dificuldades de elaboração da própria Carta Magna do país. Talvez venha a se chegar a uma Constituição assistida. Mas dentro de que modelo se consolidará a antiga aglutinação do país, pela ditadura de Kadafi?

O que emerge, sobretudo, do impasse europeu é a dificuldade de uma prospectiva após a queda das visões inerciais da prosperidade da última trintena, com base numa percepção acrítica de progresso. E não é sem razão que temas-chave da conferência sejam o reconhecimento desse impasse e a afirmação de um futuro assentado no a priori da esperança. Mas um avanço possível de uma efetiva cidadania internacional nasce desse consenso de países europeus, a partir da França e de africanos, em esmagar a rebeldia do norte do Mali. Brotou aí a associação do terrorismo com a anomia, como uma proliferação bárbara do Al-Qaeda, na exploração de qualquer desordem social. Não são outras a marca dessa nova consciência de fundo em favor do efetivo pluralismo das culturas e a exigência de sua convivência, a que se cometeram as Nações Unidas por meio de seu Conselho da Aliança das Civilizações e pelo denodo de seu responsável e ex-presidente de Portugal, Jorge Sampaio. Nem é outra a consolidação da sua obra na condução desse processo, a toda a riqueza de uma nova globalização, pela abertura de sua nova etapa, ao largo propósito da ONU, sob a condução do primeiro-ministro do Qatar, Nassir Abdulaziz Al-Nasser.

Jornal do Commercio, 25/1/2013