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O acordo é uma chuchadeira

 

RIO - Antes de mais nada, devo explicar que o título deste artigo não tem nada a ver com a apresentadora Xuxa, que vi nascer como artista na TV Manchete e hoje brilha na TV Globo. Tenho saudades do Clube da criança.


Chuchadeira, embora pareça incrível, é uma palavra dicionarizada. No Houaiss significa bom negócio, pechincha, mas tem o sentido pejorativo de coisa ridícula ou malfeita. O escritor português Vasco Graça Moura, incansável nas críticas ao Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa, escreveu no Diário de Notícias de Lisboa, que estamos diante de uma enormidade, a aplicação do Acordo significa um risco alarmante, por isso critica a indiferença obtusa ante o “facto”.


“Tudo isso é uma chuchadeira”, diz ele, e prossegue: “Um país que preza verdadeiramente a sua cultura e a sua língua deve sentir e exprimir a mais profunda das vergonhas pelo que está a acontecer. E devia exigir que não seja assim”. Como se vê, o escritor português está zangado com os rumos do Acordo, finalmente oficializado em toda a comunidade lusófona, preocupado também com as consequências do que ele chama de “trapalhice oficial”. Critica a inexistência de um vocabulário ortográfico em Portugal (nós temos o nosso) e afirma que a reconversão de livros e manuais escolares pode provocar uma “crise negra, que deitaria ao lixo muitos milhões de euros”.


Vasco Graça Moura, que continua a recolher assinaturas contra o Acordo, o que hoje nos parece inócuo, preocupa-se ainda com o destino dos professores. Ele pergunta: “Em que programas e em que calendários vão enquadrar este aspecto da sua acção (sic)?”


Sem estimular a polêmica indesejável, mas procurando o saudável esclarecimento, é oportuno contradizer o escritor português, que critica a inexistência de regras. Ora, é o que mais tem, com a preocupação dos filólogos brasileiros de buscar a todo custo a simplificação desejável. Mesmo respeitada a tradição, que nos liga umbilicalmente a Portugal, as novas posturas colocam o nosso idioma estrategicamente no mesmo nível das demais línguas de cultura existentes no mundo, o que é bastante saudável e demorou muito a acontecer, em virtude de resistências descabidas.


Não procede a argumentação de que o Acordo prejudica sensivelmente editoras portuguesas, há anos com pleno domínio do mercado lusófono africano. Penso que, ao contrário, a simplificação da língua comum poderá atrair as empresas sobretudo de Lisboa ao nosso grande mercado, onde o Ministério da Educação adquire anualmente mais de 100 milhões de livros didáticos para distribuição gratuita aos alunos carentes das escolas públicas. Não seriam oportunas as parcerias entre editoras para realização de obras de interesse comum?


O que resta verdadeiro, nesse processo, é que muita água ainda vai rolar, por motivos ideológicos, vaidades feridas, ou interesses comerciais difusos. Todo esse aparente desentendimento não parece ter lógica.


Jornal do Brasil (RJ), 20/4/2009