Embora parecesse pacífica a implementação do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa, na sua versão de 1990, a comunidade lusófona reagiu de maneira diferente. O Brasil aderiu com entusiasmo a essa ideia de simplificação. A partir de 2013 todos os seus instrumentos de comunicação, como jornais, revistas, livros e emissoras de rádio e televisão obedecerão aos ditames do Acordo, sacramentado pelo expresidente Lula, em 2008, numa simpática cerimônia, simbolicamente realizada na sede da Academia Brasileira de Letras.
O mesmo, infelizmente, não está ocorrendo em Portugal e nas nações luso-africanas. Há fortes reações, com argumentos inaceitáveis: o Brasil estaria exercendo uma forma de neocolonialismo, querendo impor a sua vontade cultural. Alguns jornais portugueses, como "Correio da Manhã", "Jornal de Notícias", "Público", "Diário Econômico" e "Jornal de Negócios", além da revista "Sábado", desrespeitam o Acordo e agem como se estivessem com a corda no pescoço. Não existe o consenso social mínimo em torno do assunto.
Um bom número de intelectuais protesta contra o que eles classificam como "empobrecimento da língua portuguesa". A Faculdade de Letras de Lisboa está na linha do que se pode classificar como desacordo. O jornal "Público" anuncia com entusiasmo que o governo brasileiro estaria para dar uma volta e conceder um
prazo de mais seis anos para tornar obrigatórios todos os postulados. Não é o que se espera. Livros, jornais e revistas circulam de acordo com as novas regras, com a expectativa de que assim será possível sonhar com a oficialização do nosso idioma na Organização das Nações Unidas, uma velha reivindicação estratégica, que se liga ao pedido para que tenhamos assento permanente no Conselho de Segurança da entidade.
O curioso, nessa história toda, é que o Acordo contempla a maioria dos itens da Reforma de 1945, que recebemos de Portugal. Não se mexe na forma de falar, garantindo-se a individualidade dos sotaques (prosódia). A quantidade de palavras mexidas é mínima (menos de 3% dos termos usuais) e a grita pode esconder interesses econômicos disfarçados: o medo de o Brasil, com isso, procurar a conquista de novos mercados no exterior para os seus livros, por exemplo.
O que há de concreto é a decisão política de simplificar o idioma de Camões, aliás, hoje mais fácil de entender pela semelhança com o português que praticamos. O ano de 2013 será marcado pela adoção plena, pelos 200 milhões de brasileiros, de uma grafia simplificadora, apesar dos embaraços com que ainda nos deparamos diante dos hífens traiçoeiros. Mas isso é questão de tempo.
O Globo, 27/12/2013