Estou com a escritora venezuelana Dulce Rojas, tomando um café em Buenos Aires; discutimos sobre a ideia da paz, que tem andado muito distante do coração humano. Dulce então me conta a seguinte história:
Um rei ofereceu um grande prêmio para o artista que melhor pudesse retratar a ideia da paz. Muitos pintores enviaram seus trabalhos ao palácio, mostrando bosques ao entardecer, rios tranquilos, crianças correndo na areia, arco-íris no céu, gotas de orvalho em uma pétala de rosa.
O rei examinou todo o material que lhe foi enviado, mas terminou selecionando apenas dois trabalhos.
O primeiro mostrava um lago tranquilo, espelho perfeito das montanhas poderosas e do céu azul que o rodeava. Aqui e ali se podiam ver pequenas nuvens brancas, e, para quem reparasse bem, no canto esquerdo do lago existia uma pequena casa, a janela aberta, a fumaça saindo da chaminé - o que era sinal de um jantar frugal, mas apetitoso.
O segundo quadro também mostrava montanhas. Mas estas eram escabrosas, os picos afiados e escarpados. Sobre as montanhas o céu estava implacavelmente escuro, e das nuvens carregadas saiam raios, granizo e chuva torrencial.
A pintura estava em total desarmonia com os outros quadros enviados para o concurso. Entretanto, quando se observava o quadro cuidadosamente, notava-se numa fenda da rocha inóspita, um ninho de pássaro. Ali, no meio do violento rugir da tempestade, estava sentada calmamente uma andorinha.
Ao reunir sua corte, o rei elegeu esta segunda pintura como a que melhor expressava a ideia da perfeita paz.
E explicou:
"Paz não é aquilo que encontramos em um lugar sem ruídos, sem problemas, sem trabalho duro, mas o que permite manter a calma em nosso coração, mesmo no meio das situações mais adversas. Este é o seu verdadeiro e único significado".
Como aprende a girafa
Minha geração foi (bem) alimentada com as biografias escritas por Irving Stone, retratando homens como Michelangelo, Van Gogh ou Charles Darwin. Quando lhe perguntaram se havia algum traço que unisse estas pessoas, Stone respondeu:
"A maioria deles foi atacada, derrotada, insultada, e por muitos anos não chegou a lugar nenhum. Entretanto, cada vez que caíam por terra, tinham capacidade de recuperar-se e tentar de novo. Os grandes gênios são aqueles que nunca deram ao inimigo o poder de destruí-los."
O comentário de Stone fez um amigo meu lembrar-se de A view from the zoo, um interessantíssimo livro onde Gary Richmond traça paralelos entre o comportamento animal e humano. Em uma de suas mais agudas observações, está a descrição do processo de nascimento de uma girafa.
Para começar, o bebê despenca de uma considerável altura, batendo com toda força no solo. A mãe, com seu longo pescoço, move-se um pouco para o lado, e vê que a cria se debate para colocar-se de pé. Imediatamente, ela estende sua longa pata, e dá um chute não muito delicado, de modo que a girafinha termina rolando sobre si mesma.
Vários chutes são dados, até que, já cansada, a recém-nascida consegue finalmente levantar-se, de modo a fugir daquele comportamento agressivo.
Neste momento, ao invés de ficar orgulhosa, a mãe tem uma atitude estranha: de novo chuta a sua cria, que cai e torna a levantar-se mais depressa.
Por quê? Ela quer que a girafinha aprenda rápido que irá viver em um mundo cheio de leões, hienas, leopardos, caçadores.
Se não aprende logo a levantar-se quando cai, jamais irá poder desfrutar a vida que tem pela frente.
Diário de Pernambuco, 20/6/2011