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A nudez paradisíaca do caixa 2

 

Arrastamo-nos esses meses pelo inédito da crise despertada pelo ''mensalão''. O espanto só cresceu por envolver o dito partido diferente, na sua promessa e fé de ofício petista. As últimas falas de Lula devolveram o sobressalto à sua velocidade de cruzeiro. Se pecou o PT o fez dentro do óbvio de uma mazela brasileira que vem do nepotismo da Velha República, passa pelas clientelas e valerioduto, apenas modernizou a corrupção. Seus respingos, agora simetricamente, caíram sobre os governos antecedentes e macularam tucanos impolutos, como petistas acima de qualquer suspeita. Anderson Adauto, ex ministro dos Transportes, não está não só no paraíso da corrupção. Ninguém precisou de folha de parreira para conviver na promiscuidade do caixa 2, de todos os tempos e todas as legendas. Atirem a primeira pedra - ou o lençol - as direções partidárias que não sabiam - ou deixaram de coletar - os dinheiros não contabilizados que são a segunda natureza do sistema, até hoje.


Mas até onde a crise, não obstante todo afrodisíaco mediático já mostra sinais medulares de fadiga. E não resiste à sua cronificação, numa espécie de ''fartum'', que chega ao inconsciente coletivo. José Dirceu vai ao patíbulo, independentemente de quaisquer provas, por um desejo de pôr-se fim a diatribe, igualando as baixas, antes que a platéia saísse do estádio. Obedece-se à uma pseudológica, ainda, do ''Brasil-bem'' que afinal compõe as desestabilizações sazonais por um equilíbrio de pontos perdidos.


A degola de Jefferson não exorcizou entretanto o fantasma do denuncismo. Dirceu poderá pagar sem verdadeiro corpo de delito por este equilíbrio canhestro onde as CPIs afinal vão cumprir a sentença pressentida por Ibsen Pinheiro, cassado há uma década. ''O Congresso faz, afinal, o que o povo quer''. Ou o que a elite pensa que o povo quer? A onda do ''mensalão'' não atingiu o país de fundo e continua absolutamente fiel ao presidente. Mantém a sua espera e, afinal, pouco demanda. Tal como salientou Leonardo Boff, o povo quer pouco, acima da linha da marginalidade, mas sabe em quem pode acreditar e continua na aposta do ''Lula-lá''.


Lula bem o exprimiu nesta confiança básica no Roda Viva, salientando que é o Brasil do outro lado, o dos desmunidos, o dos atores efetivos do futuro trazido no bojo da reeleição. O script do abate agora perdeu de fato a sua verossimilhança, na comichão perpétua do impeachment, que retorna por um ''dá cá aquela palha''. Aí está a invocação do dinheiro de Fidel como, há uma geração atrás, se falava do fulgurante ouro de Moscou, a prover o PC nas entranhas das intentonas. A impaciência do relator Serraglio já é de quem sabe que se está ao fim da paciência e o grand finale precisa ser acelerado sob pena do anticlímax. Claro, existe sempre o fio da meada. Esta passa pelos dinheiros públicos, mas não é novidade, ao contrário, só reiteração neste valerioduto nascido durante o tucanato, irrigado pelo Banco do Brasil e adjacentes, antes de 2002.


O que está em causa é a pertinácia do esquema e o que venha à furo é uma continuação de um abuso do poder econômico sobre o político, que tradicionalmente se poderia chamar como uma ''ação entre amigos'', e uma linguagem mais tersa do Ministério Público reconheceria como uma ''formação de quadrilha''. As afirmações ou as denegatórias da vasta trama por antigos funcionários do sistema não inquinam tucanos ou petistas, nem o empenho das legendas, mas a trazida do dinheiro público à cobertura dos caixas 2 de todos os tempos, e de todo fechamento de contas de uma chapa vitoriosa no poder.


Vida longa, a do esquema criado, passando pela ingenuidade de Eduardo Azevedo que vale o mesmo do deslumbre de Delúbio. Até onde chega, entretanto, a meada que mais se alonga, tanto se refina, e diante da qual os dinheiros do Banco do Brasil são apenas parte de um esquema em modernização vertiginosa? A querer, de fato, a decisão de Serraglio ir ao fim, e não ao exit possível agora. Parará diante dos dossiês das modernizações do governo anterior? Vai ao fundo do que deixou entrever Daniel Dantas, seus pigarros e suas meias frases, no interrogatório do Banco Opportunity? Ou contamos, de vez, também como epitáfio, com a demasia do silêncio obsequioso, em que os inquisidores deixaram sem data a volta do banqueiro de todos os espantos, suspensa, ainda, a tarrafa do verdadeiro tamanho das suspeitas do ''mensalão'' que, definitivamente, acertou para além do que pretendia?




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 16/11/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 16/11/2005