Em nenhum momento o presidente Michel Temer ou seus ministros referiram-se à carnificina ocorrida no presídio em Manaus como uma questão de segurança nacional, mas é assim que o governo enxerga a disputa de facções criminosas, que nacionalizaram suas ações em busca de mais espaço para o controle do tráfico de drogas na região.
Mesmo que demorasse a se pronunciar, e quando o fez tenha tido a infelicidade de escolher a palavra “acidente” para se referir ao caso, o presidente Michel Temer tem tratado a segurança pública como uma questão prioritária nacional, muito além do que outros governos o fizeram.
O plano nacional de segurança anunciado em parte ontem pelo ministro da Justiça Alexandre Moraes está sendo elaborado há algum tempo, e as ações nas fronteiras, que passarão a ser permanentes, já estavam combinadas com as autoridades dos Estados que têm fronteiras com países da América do Sul, tendo sido realizada uma reunião do Cone Sul, patrocinada pelo Itamaraty, para tratar da questão do tráfico de armas, drogas e pessoas nas fronteiras.
A operação que ocorria de tempos em tempos nas fronteiras, com a participação das Forças Armadas, Polícia Federal e Receita Federal, passará a ser permanente, mas sem aviso prévio ou periodicidade anunciada. A compreensão de que o país está vivendo uma nova etapa na luta contra o tráfico, que aumentou sua participação internacional e por isso as facções estão em guerra aberta umas contra as outras, em busca de posicionamento que lhes permita maior participação nesse novo mercado, faz com que o governo federal assuma mais responsabilidades, mesmo que não formalmente.
Mas o tratamento a ser dado ao tema embute o conceito de que a segurança nacional pode estar em risco caso não sejam tomadas providências mais aprofundadas no combate ao tráfico e no controle das fronteiras. Nas conversas de bastidores, uma comparação recorrente era com a Colômbia, e uma frase resume bem o estado de espírito: escapamos de nos tornar uma Venezuela (em referência à ligação petista com governos de esquerda da região, os ditos bolivarianos) e podemos virar uma Colômbia.
A ligação, já detectada, da facção regional do Norte com as Farcs e outros grupos de guerrilheiros, confirma a gravidade da situação. A construção de novos presídios federais faz parte dessa ampliação de responsabilidades do governo, e pode até ser que seja feita uma licitação internacional para os novos presídios, com métodos mais rápidos de edificação, caso aqui no país não existam empresas capacitadas.
É possível também que a privatização da administração dos presídios, como ocorre em Manaus e em várias cidades de outros Estados, venha a ser regulamentada pelo governo federal, para que não se repita a vergonhosa má gestão que se constatou na capital do Amazonas. A liberação de verbas para a instalação de bloqueadores de celulares também faz parte da estratégia que está sendo montada, além da separação de presos pela periculosidade, como manda a Constituição e o bom-senso, pois pessoas que cometeram crimes leves e nem deveriam estar presos, acabam cooptadas pelas facções.
O estilo cauteloso do presidente Michel Temer, a complexidade de mudanças constitucionais mais profundas, além do risco político de trazer para si a responsabilidade dessa guerra em novas dimensões, tudo fez com que as medidas anunciadas continuem tendo a característica de apoio do governo federal aos Estados.
Mas houve mudança de patamar nas preocupações do Ministério da Defesa e do Gabinete de Segurança Institucional.