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A nova esquerda, já

 

Os debates do segundo turno tornaram nítidos os ganhos profundos da consciência cívica brasileira diante da volta às urnas. Vamos, de fato, a um plebiscito em que o voto contra Lula tornou clara as alternativas para o nosso processo político. Ao contrário do esperado, não aumentou o coeficiente dos votos nulos, como sepulcro dos votos radicais ou da ingenuidade do bom mocismo, diante do dilema básico esboçado pelo 1° de outubro.



Alckmin encarregou-se de passar o óbvio a limpo, na exuberância do que seja o Brasil do status quo, que não precisa de programa., nem de qualquer surpresa quanto a para onde não vamos. Esgotou, no primeiro round, toda munição, como é próprio à arremetida do denuncismo moralista, e de logo começou a queda crescente de votos, o que comprova o desinteresse por qualquer debate como tira-teima eleitoral.



Ficou em meio a meio o apoio do "Brasil-bem" à oposição frente ao petista, intacto na sua ressonância no país de fora e na paciência de esperar por um segundo mandato, apesar de Lula. Sem o PT e sem herdeiros, reforça-se do ativo inesperado ganho em toda a "virada de página" entre os dois eleitorados que ora foram ao "plebiscito". Não se trata dos vaticínios do país, por uma vez, geograficamente rachado, nem de uma nação exposta ao dilema de pobres e ricos, no exaurido chavão. É o país da nova prosperidade, ao contrário, o que votou em Lula, na força do crescimento comparado atual do Norte e do Nordeste, frente à quebra do Rio Grande e às situações de decadência enfrentadas em tantas faixas econômicas do Sul.



O que calha, afinal, na opinião pública, não é o que se inventa, mas o que, afinal, se desvela como avanço de uma toma de consciência pela mudança. Não se a faz sem o reclamo da presença do Estado no desenvolvimento, em modelo oposto ao das privatizações e ao da lógica pregressa, em que um novo tucanato continuaria o governo FH.



No jogo das acusações mútuas, dos exageros e das mentiras, não se pode sempre enganar o inconsciente coletivo. Nessa dimensão, quem sofre da marginalidade coletiva é que encontra o rumo de vencê-la, por um sentido básico de sobrevivência, e vê o voto como opção política decisiva. Tanto a repetição da denúncia da corrupção choveu no molhado de sempre, tanto chegou à consciência nacional o risco da privatização, como fecho e rumo sem volta da prosperidade neoliberal.



Defensiva. Definiu-se o "plebiscito", no recuo fatal de Alckmin, no perder o bonde do moralismo, para refugiar-se na patética negativa de que não disse o que disse. A jaqueta do tucano, coberto dos dísticos e insígnias sôfregos da Petrobrás, gritava o travestismo político, passado à melancólica defensiva a partir daí nos debates.



O segundo turno permitiu, de vez, esse avanço histórico, em dois tempos, do que seria, em caso contrário, a regressão pindamonho-tucana. Os primeiros dias do novo mandato consagrarão toda uma nova esquerda, na garantia dessa presença do Estado na nova prosperidade do país, do realismo das políticas sociais, saídas dos escrúpulos do desenvolvimento medroso e, sobretudo, das trampas que podem implodir os meses da lua-de-mel do "segundo" Lula. Não vamos perdê-la no fantasma da corrupção, levando às novas desmoralizações dos processos dos sanguessugas e mensaleiros sobreviventes, nem acreditar que é pela reforma política que se dá o passo adiante, tanto o caixa 2 foi o grande vitorioso da reeleição, e o sistema está aí ainda para ficar. Uma nova esquerda, para além do PT, e curada dos pruridos da radicalidade, saída da enfermaria de Heloísa Helena, e fiel ao sentido da nação de Leonel Brizola, tem prazos mínimos para impedir que a clientelização do sistema se transforme no consolo tardio da detergência tucana.


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 27/10/2006

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 27/10/2006