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Nossa esquerda se apetrecha

 

A próxima assembleia geral do PT deverá instituir um Conselho junto ao partido, formado de responsáveis pela condução histórica da legenda, ao longo das últimas décadas. A iniciativa responde ao fenômeno cada vez mais reconhecido da ausência de lideranças emergentes, como segunda geração, no avanço dessa chegada ao poder do Brasil do outro lado, e da efetiva "virada de página" frente ao país do establishment. 

Mais que em nomes estritamente partidários, a vitalidade, hoje, do PT surge nas interalianças sindicais, e do enraizamento das formações da luta trabalhadora, como refletiram as greves dos últimos meses. 

Há que atentar a este outro inédito da vida política do país, que é a força da presença de Lula e, para muitos, o seu efeito de mesmerização, travando um possível arranco de seus sucessores no horizonte da mudança brasileira. 

No quadro geral, aliás, do "que fazer" programático imediato, e no realismo do ministro Levy, percebe-se que, no substantivo dos programas, a oposição esmaece de alternativas fora, já, do discurso tão moralista quanto candente das críticas à corrupção e às benesses do tráfego de poder. Não há receitas dissonantes para o controle inflacionário, nem da indiscutível presença do Estado na organização da infraestrutura do país ou de seu capital de base. 

A iniciativa do Conselho volta-se para a possível permanência do PT no poder, no horizonte histórico garantido pelo lulismo da última vintena. E, de logo, volta-se para uma política externa que ainda não veio à tônica da sua mobilização política e "toma de consciência", no quadro global de nosso tempo. Aí está, de saída, a importância da relação com a China, no ressalto mais importante do que representou o nosso enlace com os Brics, no contraponto aos clássicos blocos globais da modernidade. Deparamos um Brasil que se descola da América Latina e, hoje, se volta à África, e ao que confrontará em Angola e Moçambique, com o avanço exponencial da China nessas novas economias africanas em desenvolvimento. E ao falar-se das mudanças mais prováveis, já, desse quadro, há que atentar, em pleno governo Dilma, à quase fatalidade da torna da direita mais estrita pelo provável ganho eleitoral dos republicanos no ano próximo, nos Estados Unidos. 

Não é outro o cenário da revanche do establishment no mundo ocidental, de Cameron, na Inglaterra, à prática fatalidade de vitória de Marine Le Pen nas próximas eleições na França, e do avanço das direitas na Alemanha. O Brasil torna-se o depositário, como sétima economia do mundo, do que ainda possa representar a mantença de uma esquerda frente ao risco que corre, na democracia, diante dos novos fundamentalismos políticos, e a inquietante ameaça das regressões do respeito à diferença, ínsita à modernidade.

 

Jornal do Commercio (RJ), 13/06/2015