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No reino do medo

 

O vocabulário da política está infiltrado de termos da página policial: ameaças, intimidação, perseguição, temor, pressão. Todo mundo anda assustado

De que ou de quem se tem tanto medo em Brasília? O vocabulário da política está infiltrado de termos da página policial: ameaças, intimidação, perseguição, temor, pressão. Todo mundo anda assustado, a começar pela presidente, que não deve dormir direito, atormentada por pesadelos como “pautas-bomba”, “pedaladas”, “impeachment”, até a oposição, apreensiva por não saber bem o que fazer numa hora dessas. Foi por medo, por exemplo, que a advogada Beatriz Catta Preta deixou não apenas a causa de seus nove clientes da Operação Lava-Jato, mas, numa decisão drástica, a própria profissão — medo das “ameaças veladas” que disse vir recebendo de integrantes da CPI da Petrobras. Em entrevista exclusiva ao repórter César Tralli, do “Jornal Nacional”, ela contou que resolveu encerrar uma carreira de sucesso diante da “tentativa de intimidação a mim e à minha família”.

Ao ser perguntada se o deputado Eduardo Cunha estava por trás dessas ameaças, Beatriz foi cautelosa e não confirmou, mas não hesitou em afirmar que elas aumentaram depois que seu ex-cliente, o empresário Julio Camargo, acusou o presidente da Câmara de ter recebido US$ 5 milhões de propina no escândalo da Petrobras. E por que não fez antes? “Medo de chegar” a ele. E, também pela mesma razão, teria voltado atrás, citando-o, para não perder os benefícios da delação premiada.

O autor da convocação da advogada à CPI foi o deputado Celso Pansera, apontado por Yousseff como autor das intimidações às suas filhas e sua ex-mulher. Sem revelar o nome, disse que era um “pau-mandado” do presidente da Câmara. Identificado como tal, Pansera negou “enfaticamente” esse papel junto ao amigo, mas não pôde desmentir o pedido à CPI de quebra de sigilo da família do doleiro. Em seu acordo, o delator contara ao juiz Sérgio Moro que, quando líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha teria recebido a propina de Camargo. Os advogados que assumiram o lugar de Beatriz na defesa de Camargo acusam Cunha de estar agindo com a “lógica da gangue”.

Isso porque, de forma direta ou velada, o presidente da Câmara se tornou o bicho-papão desse reino do medo em que se transformou a capital do país, com sua estratégia de se defender atacando com agressividade. Se, como se diz, coragem é a arte de ter medo sem parecer, é possível que o político que inspira tanto medo também esteja tão temeroso quanto os que o temem. E com forte motivo para isso. Seus fantasmas talvez estejam encarnados num personagem que não faz bravatas, não ameaça e não tem cara de mau, enfim, a serena, mas firme figura que comanda as investigações da Operação Lava-Jato: o juiz Sérgio Moro.

O Globo, 01/08/2015