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No limiar do século 21

 

ESTE artigo é um intento de identificar e sumariamente descrever os principais problemas com que se defrontam o Brasil, o mundo e o homem no limiar do século 21.


No caso do Brasil, esses problemas podem ser sumariados na tríade: 1) integração nacional e continental; 2) desenvolvimento geral; e 3) modernização tecnológica.




No caso do mundo, pode-se falar de outra tríade: 1) desenvolvimento das regiões atrasadas; 2) instituição de um modelo razoável de ordenação internacional; e 3) ajustamento da civilização industrial às condições de sua sustentabilidade no planeta.




E o homem? O que fazer do homem depois da morte de Deus? Esses três níveis de problemas se caracterizam por sua crescente complexidade.


O caso do Brasil, embora requeira um equacionamento difícil e ainda mais difíceis condições para sua solução, é comparativamente mais simples. O grande problema do Brasil é, em primeiro lugar, o de sua integração social e, depois, em condições de relativamente mais fácil execução, o de sua integração regional.




Num país de 190 milhões de habitantes, um terço da população dispõe de condições de educação e vida comparáveis às de um país europeu. Outro terço, entretanto, se situa num nível extremamente modesto, comparável aos mais pobres padrões afro-asiáticos. O terço intermediário se aproxima mais do inferior que do superior.


A problemática brasileira se define pelo binômio educação e desenvolvimento. Aquela como condição de generalização e sustentabilidade deste. O problema educacional brasileiro já foi, até há pouco, o da universalização da educação primária. Hoje, a questão mudou de patamar. Trata-se, agora, ademais de esforços complementares no nível primário, de proceder a uma significativa elevação do nível de qualidade da educação de base e, qualitativa e quantitativamente, de elevar o nível secundário e de acesso a ele.


De um modo geral, uma significativa elevação do nível educacional do país trará maior desenvolvimento.

Este, no entanto, não pode ser encarado como mera decorrência do incremento educacional, mas tem de ser deliberadamente promovido por meio de um grande programa nacional, equivalente ao programa de metas do governo Kubitschek.


No que diz respeito ao mundo, é necessário que os países desenvolvidos incrementem sua contribuição para o desenvolvimento do Terceiro Mundo. Mas é tanto ou mais necessário que se eleve a pressão social nos países subdesenvolvidos para um melhor emprego dos recursos disponíveis. É significativa a parcela de recursos desviados pela corrupção.




Mais complexos que a questão do desenvolvimento mundial são, por um lado, a de um satisfatório ordenamento internacional e, por outro, a de medidas apropriadas para ajustar a civilização industrial aos requisitos de sua sustentabilidade planetária. O planeta não comporta o presente estilo de civilização industrial.




Todas essas questões conduzem à mais relevante de todas, que é a da condição e do destino do homem no mundo. A questão fundamental que se nos apresenta, depois da erosão das convicções religiosas, é a do destino do homem. A vida humana deixou de ser um preparativo para um vida eterna "post mortem", tornando-se algo válido por si mesmo. Que destino pode ter o homem contemporâneo a partir da morte de Deus? A partir, igualmente, da convicção de que o homem se reduz ao seu corpo, e sua vida, a uma efêmera existência terrena?


Não procede a tese de Dostoiévski de que se Deus não existir, tudo será licito. Na verdade, os códigos éticos nada mais fizeram do que formular os preceitos de cuja observância dependem a viabilidade de uma sociedade e o sentido da vida humana.




O que está em jogo, assim, é o imperativo de um novo humanismo, dessa vez dotado de profunda consciência social e ecológica. Formulações nesse sentido têm sido feitas por filósofos como Karl Jaspers e Sartre, por sociólogos como Mannheim e Alain Touraine. Esforços nesse sentido vêm sendo empreendidos por alguns partidos trabalhistas e pelos verdes. O que está em jogo é a continuidade e a universalização desses esforços.




Chegamos a um momento da história em que a Terra não é mais o inesgotável e permanente suporte da vida humana, mas algo que, para a sobrevivência da humanidade, tem de ser judiciosa e cuidadosamente administrada. O destino da humanidade depende inteiramente de uma gestão racional e eqüitativa do mundo, como planeta e como humanidade. O destino do homem deixou de depender dos deuses e da suposta inesgotabilidade da natureza e passou a depender, integralmente, de um apropriado comportamento do próprio homem.


Folha de S. Paulo (SP) 1/08/2008