RIO DE JANEIRO - Dom Rodolfo de Aguiar Dias chegou ao portão do palacete da rua dos Araújos, uma rua tradicional da antiga aristocracia tijucana, empoeirada agora, e mais triste que todas as demais ruas da Tijuca, do Rio e do mundo. Antes de tocar a campainha, meteu a mão no bolso da batina e apanhou o telegrama que recebera dias antes, e cujo texto já sabia de cor: "Sou senhora rica, nascida em Valença, antes de morrer quero deixar todos os meus bens para a sua diocese. Traga valise para levar o dinheiro. (a) Dona Eugênia do Carmo, rua dos Araújos, 47 - Rio".
Era ali mesmo. Notou que o portão estava encostado. Atravessou um pequeno jardim, subiu três degraus, a porta principal também estava apenas encostada. Penetrou no vestíbulo, escuro e abafado como uma sacristia baiana. Não havia viva nem morta alma, nem mordomo havia, morto ou vivo. Havia um salão e, caída no centro, lá estava a milionária que se lembrara de auxiliar a diocese valenciana.
Aproximou-se do corpo e viu o punhal cravado nas costas da multimilionária. Não sabendo o que deveria fazer, fez o que não devia: apanhou o punhal. Ouviu passos, havia alguém na casa. "Estou perdido!", pensou o bispo, com o punhal na mão. "Dirão que assassinei uma velha para arrancar-lhe dinheiro!".
Lembrou-se que devia encomendar a alma da velha, tão generosa alma, arrancada brutalmente do corpo na hora mesma de uma caridade cristã. "Vou chamar a policia. Não tenho nada a temer. Sou inocente do sangue desta justa!".
Foi o que disse ao comissário Jardim do 18º Distrito Policial, que, meia hora depois, apareceu no palacete da rua dos Araújos. Mas o comissário Jardim era um dialético. Olhando o punhal na mão do bispo, o policial ameaçou: "É o que veremos... é o que veremos...".
Folha de S. Paulo (SP) 28/12/2006