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Niemeyer e as curvas do tempo

 

Foi com muita alegria que todos comemoramos os 100 anos do arquiteto Oscar Niemeyer, personalidade maior da vida brasileira. Ele superou com muita dignidade as curvas do tempo (título de uma das suas obras), valorizando a solidariedade humana e dando importância relativa às suas muitas glórias terrenas, entre as quais se inclui Brasília.


Tudo se escreveu sobre ele. Guardo na memória algumas das nossas conversas, a primeira das quais foi propiciada pelo meu irmão Júlio, engenheiro da equipe do grande arquiteto, que um dia me perguntou se o receberia para ouvir um projeto educacional inédito. É claro que a resposta foi positiva e, numa noite extremamente simpática, recebi a visita de Oscar. Fez um queixa e uma reivindicação (isso na década de 70): reclamou que fizera sucesso em muitos lugares do mundo, mas que tinha pouca presença no seu Rio de Janeiro; e sonhava com a idéia de projetar uma Faculdade de Arquitetura e Humanidades em nossa cidade, “para que os jovens fossem bem formados e tomassem gosto pela profissão.”


Lembro de ter perguntado se ele seria professor da instituição: “É claro, disse, entusiasmado, é tudo o que desejo ser.” Infelizmente, apesar de algumas tentativas frustradas, não foi possível realizar o seu sonho. Ele pretendia, ao lado das lições sobre modernidade, convencer os estudantes sobre os ideais humanistas que sempre presidiram suas ações.


Acompanhei muitas discussões de Oscar Niemeyer e Adolpho Bloch, na construção dos três prédios da rua do Russell, onde existiu a Manchete. O empresário, de alma russa, tinha suas vontades e o arquiteto resistia como era possível. O tamanho dos degraus de uma escada poderia levar horas de embate, antes de se chegar ao desejado acordo. Isso, naturalmente, jamais interferiu na grandiosidade da obra.


Em janeiro de 1981, a meu convite, como Secretário de Educação, Oscar percorreu a Estrada da Gávea. Completavam a comitiva o meu irmão Júlio e o professor Vicente Barreto, então Secretário de Desenvolvimento Social da Prefeitura. Buscávamos uma área para construir o que seria o primeiro Ciep do Rio de Janeiro. Chegamos a um local apropriado, logo depois da Escola Americana, e o arquiteto pediu papel, para desenhar os contornos da sua grande obra na educação. Tenho comigo essa preciosidade. O projeto não foi avante pela dificuldade de liberar a área. Depois, Oscar faria 500 Cieps, com o apoio incondicional de Darcy Ribeiro. A semente vingou.


Ao lançar o livro “O ser e a vida” (Editora Revan, Rio, 2007), Oscar, com rigorosa lucidez, recordou a influência recebida do amigo Rodrigo Melo Franco de Andrade, um grande defensor do nosso patrimônio artístico e cultural: “Ele me legou a necessidade de cultivar a leitura, dos clássicos aos contemporâneos, como meio de acesso às mais diferentes visões do drama do ser humano, do que a vida comporta de grandioso, contraditório e cruel.”


No que ele chama de “curto passeio pela vida, um sopro”, o incomparável arquiteto das curvas tropicais ainda teve tempo para dar um sábio conselho aos jovens que saem dos cursos superiores: “Leiam, leiam muito, para compreender melhor o mundo difícil que os espera.” Nas comemorações dos seus 100 anos, dediquei ao estimado amigo o livro “D. Quixote para crianças”, feito em parceria com Mário Mendonça: “Para Oscar Niemeyer, gênio dos sonhos possíveis.” Foi uma honra para mim que essa frase ficasse impressa na primeira página.


Jornal do Commercio (PE) 21/12/2007

Jornal do Commercio (PE), 21/12/2007