A sociedade brasileira é conservadora, afirma-se à boca pequena, e a prova seria a eleição de Bolsonaro, que nunca escondeu sua ojeriza às liberdades no campo das escolhas de vida. Será? Ou o resultado das eleições estaria induzindo a conclusões equivocadas? Como se ele tivesse sido eleito pelas suas opiniões retrógradas e não, como foi o caso para muitos de seus eleitores, apesar delas.
Elegeram-no a exasperação com a violência, a indignação com a corrupção e o maciço apoio das igrejas, estas sem dúvida interessadas na pregação moralista. Uma eleição pode ser um termômetro que, em determinado momento e circunstâncias, indique uma febre que pode ter várias causas, não uma alteração orgânica profunda.
Afirmar que a sociedade é conservadora autoriza o conservadorismo a assumir um protagonismo de suposta maioria, justiceira, transformando quem não se enquadre em suas convicções em inimigo do povo. Serve à intimidação.
O governo terá que respeitar a Constituição, o Congresso e os tribunais. Já a vertente retrógrada da sociedade age por si e se propõe a censurar e reprimir os “dissidentes”. Aí reside uma ameaça real. Manter o clima de polarização da campanha eleitoral só interessa aos que alimentam suas hostes com o nós contra eles.
Passada a eleição, a população volta à realidade multifacetada de suas vidas. A liberdade de cada um ser o que é, antes de ser reconhecida como direito, estava presente na vida dos que por ela lutaram e dos que apoiaram essa luta. Essas forças continuam vivas.
O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre questões controversas. A ministra Cármen Lúcia, referindo-se à atual “onda perigosamente conservadora”, disse, com razão, que “de direitos fundamentais a gente não recua”.
A diversidade é constitutiva da sociedade brasileira. Inscrita nos matizes de pele, sexualidades, nas múltiplas formas de religiosidade e de configurações familiares. É uma construção de gerações. Não se fez da noite para o dia, nem de cima para baixo. Não se destrói por decreto.