Estou lendo os relatos do médico psiquiátrico que cuidou dos vinte e tantos réus no Tribunal de Nuremberg logo após a rendição da Alemanha, em 1945. Não há novidades em seus textos, o principal já era sabido, foi julgado e devidamente condenado. Nos anos seguintes, outros criminosos de guerra foram presos em diferentes partes do mundo e disseram a mesma coisa: cumpriam ordens e nada sabiam do massacre de 6 milhões de pessoas.
Acontece que em Nuremberg, com exceção de Hitler e de Goebbels, que se suicidaram quase simultaneamente, no bunker da Chancelaria, lá estavam todos os chefes dos chefes, os hierarcas do sistema nazista, que incluía governo e partido que haviam chegado ao poder em 1933 e cometido a série de crimes mais repugnantes da história contemporânea.
Todos eles diziam que não sabiam dos campos de extermínio. Alguns admitiam conhecer campos de concentração, comuns durante as guerras. Os aliados também mantinham seus prisioneiros de guerra concentrados em campos especiais. "C'est la guerre". Mas os campos de extermínio eram ignorados. O almirante Doenitz, que sucedeu Hitler como chefe de Estado e negociou a rendição final dos alemães, declarou que era responsável primeiramente pelos submarinos alemães, depois pela marinha inteira. Declarou-se homem do mar. Hans Frank, que tiranizou a Polônia, também nada sabia, cuidava de seu território. Um deles revelou que, ao ser nomeado por Hitler, recebeu uma única ordem: "Cumpra sua obrigação e trate de sua própria vida". O mesmo deve ter acontecido com todos os demais.
A ordem de Hitler era clara, melhor do que a de Maquiavel. "Faça o que deve fazer (dirigir submarinos no caso de Doenitz) e trate de sua vida, enriqueça se quiser, roube se quiser, como Goering e outros. O resto deixe comigo".
No caso do nazismo, o "resto" foram 6 milhões de massacrados. No caso brasileiro -bem, não há caso brasileiro, Lula não sabe de nada.
Folha de São Paulo (São Paulo) 29/12/2005