Não é a primeira vez, nos últimos anos, que a proposta de uma Assembleia Constituinte surge no debate político brasileiro, e nunca vingou, como essa não vingará, porque não há base legal nem política para tal convocação.
Muito antes da direita, a esquerda levantou essa tese em várias ocasiões. O ex-presidente Lula propôs uma Constituinte para fazer a reforma política por meio de Fernando Haddad, candidato do PT na campanha à Presidência da República em 2018.
Agora vem o líder do governo, Ricardo Barros, com uma proposta dessas, baseado numa leitura equivocada dos acontecimentos políticos no Chile, que acaba de aprovar a convocação de uma Constituinte para enterrar a Constituição em vigor, oriunda da ditadura militar de Pinochet.
Nesse ponto é que começa a se deteriorar a sugestão de Barros, pois nossa Constituição foi gerada justamente no começo de um novo ciclo democrático no país, depois de 21 anos de ditadura militar. O Chile virou uma democracia sob a mesma Constituição que regia o regime militar, embora ela não tenha impedido o país de prosperar nesse período, tornando-se modelo para seus vizinhos na América do Sul.
Os diversos presidentes de esquerda que governaram o Chile desde então não mexeram na Constituição, nem mesmo para aperfeiçoá-la, especialmente no que toca aos direitos sociais dos cidadãos. O deputado Ricardo Barros, ao defender uma Constituinte entre nós, alegou que a nossa é um obstáculo aos governos, cheia de direitos e poucos deveres, como aliás denunciou o então presidente José Sarney.
Pode ter até razão em certos aspectos, mas essas atualizações podem ser feitas por emendas constitucionais, como já vem sendo feito há anos. E, no Chile, os que aprovaram a Constituinte por larga maioria querem mesmo é uma Constituição-cidadã como a nossa, cheia de compromissos sociais.
A tese de Constituinte levantada por Barros não encontra respaldo na própria Constituição, que não prevê essa possibilidade. Depois de promulgada, em 1988, ela poderia ter sido revisada pelo Congresso cinco anos depois, mas não foi. A partir daí, não há como mudá-la sem a utilização de uma proposta de emenda constitucional (PEC) a ser aprovada pelo Congresso.
Como a exigência para uma emenda constitucional é grande — três quintos dos votos na Câmara e no Senado, em duas votações —, essa é a garantia que temos de que a Constituição não será alterada a qualquer momento.
É claro que uma PEC poderia, em tese, revogar a Constituição e convocar uma Constituinte, mas uma decisão desse tipo só seria aceitável em caso de ruptura institucional, como aconteceu nos anos 1980, após o fim da ditadura militar, resultando na atual Constituição. Foi o que aconteceu no Chile agora, quando mais de um ano de manifestações nas ruas desaguou na proposta da Constituinte.
De outra maneira, o Supremo Tribunal Federal impediria a ação do Congresso ou do Executivo, porque estariam sendo revogadas diversas cláusulas pétreas que são o pilar do nosso sistema democrático.
A convocação de uma Constituinte exclusiva para tratar da reforma política, que já foi proposta pelo PT em diversas ocasiões nos últimos anos, parecia ser uma saída para a efetivação de uma reforma que, de outra forma, jamais sairá de um Congresso em que o consenso é impossível para atender a todos os interesses instalados, com 33 partidos constituídos e mais 37 na fila de espera.
Mas a proposta não foi para frente porque houve quem suspeitasse de que, no bojo dessa Constituinte, a base aliada do governo petista naquele momento tentaria aprovar não apenas a possibilidade de um terceiro mandato para Lula, mas também o reforço do poder do Executivo, como aconteceu na Venezuela de Chávez e na Bolívia de Evo Morales. Agora é o Centrão, na sua versão bolsonarista, que apresenta a proposta, com o mesmo objetivo: fortalecer o poder do governo.