Na madrugada, o barulho de gente correndo pelos becos de uma favela. No fim do beco uma grade, como nas prisões. Encurralados, morrem nove, outros são feridos. Sem saída. Como em um pesadelo. Eram adolescentes, quase crianças, que se divertiam numa festa. Não estarão em casa no Natal.
Há vídeos que mostram a polícia jogando bombas, batendo com cassetetes nos que tentam escapar ao tumulto. A cena é degradante, o gesto inominável. Uma autoridade põe em dúvida a veracidade das imagens, e o governador de São Paulo, o rosto gélido em que pretende imprimir a firmeza e a autoridade que os fatos desmentem, reafirma a eficácia da polícia e a continuidade de seus métodos. Dias depois, confrontado às mães das vítimas, admite “rever protocolos”. Não é justo.
Não é justo é o que dizem todos os pais e mães que mandam os filhos à escola e recebem de volta um cadáver e uma camiseta ensanguentada. Na dor da impotência face à impunidade gritam essa queixa. Mais um “erro operacional grave” da polícia, na expressão do ministro da Justiça. Erro? Não, impunidade que autoriza a reincidência.
Que desgraça, que tristeza, que vergonha! Onde foi parar a elementar compaixão que faz chorar nas tragédias e sentir revolta face à injustiça? Até quando governantes seguirão mentindo, sem piedade dos que perdem seus filhos, como se as vítimas não fossem ninguém? E, sobretudo, sem culpa, sem remorso, essa insensibilidade de que só os psicóticos são capazes. Até quando vão negar a humanidade dos que precisam de amparo e proteção?
A frieza, a insensibilidade das autoridades é assustadora. Essa insensibilidade é contagiosa, uma tara que se espalha pela sociedade enquanto se vende a imagem de um inimigo sem rosto que se esconde nas favelas e que justifica a violência cega que atinge qualquer um.
O perigo mortal não vem das favelas, vem de dentro de cada um: habituados ao horror em um convívio cotidiano, nos tornarmos, silenciosos e indiferentes, cúmplices por omissão do assassinato de crianças.
Não é justo.