Em algum momento de 2020 ou 21, alguém me soprou: "Fique esperto. Ouvi dizer que estão de olho em você. Tem gente do governo levantando os podres de cada desafeto do Bolsonaro e reunindo num dossiê para ser usado um dia." Não me surpreendi. Eu desconfiava que o então presidente não era grande fã das minhas colunas na Folha, porque, desde o começo de seu mandato, eu apontava para a inevitabilidade do golpe com que ele esperava se perpetuar no poder.
Hoje, com a investigação em curso sobre o uso por Bolsonaro da Abin (Agência Brasileira de Informação) para bisbilhotar os passos de ex-aliados, juízes, advogados, políticos e jornalistas, vejo que a dica fazia sentido. E começo a me dar conta das vezes em que tive a sensação de estar sendo observado e de algo que parecia diferente do que deveria ser.
Por não usar celular, eu estaria fora do alcance do FirstMile, o software de monitoramento que eles acionaram para saber quem estava com quem e onde, e, daí, tirar ilações. Mas os telefones fixos, como o meu, também podem ser arapongados e, em várias ligações, pude ouvir baixinho, sob a voz do interlocutor, "A tonga da mironga do kabuletê", velho sucesso de Toquinho e Vinicius. Era para abafar o ruído do gravador.
Vejo agora também que fui seguido pelo clássico sujeito encostado no poste e fingindo ler jornal à espera de que eu saísse. Lembro-me de que passei por ele e não lhe dei importância. Pois devia ter dado, porque o jornal atrás do qual se escondia era o Correio Braziliense. Ora, como moro no Rio, o normal seria que o jornal fosse a Folha ou O Globo. Significava que ele viera de Brasília para a tarefa e já trouxera de lá o material de trabalho.
Se fizeram meu dossiê, ignoro. Mas o dossiê sobre a arapongagem da quadrilha Bolsonaro a partir desta investigação, assim que publicado, exigirá um lindo segundo volume ---para a sentença judicial.