Cinco dias de uma ação terrorista brutal contra Israel foram suficientes para que o governo brasileiro ajustasse seu radar geopolítico e passasse a chamar pelo nome a organização terrorista Hamas. Não é ainda uma admissão oficial de que o grupo que domina pela força a Faixa de Gaza seja uma organização terrorista em si mesma, mas é natural que assim seja, pois a definição oficial ainda não é adotada pela ONU, e um partido como o PT, que sempre manteve relações próximas com organizações esquerdistas no mundo, sejam oficiais ou não, teria naturais dificuldades para dar um “cavalo de pau” em suas posições internacionais.
Mas o apelo do presidente Lula, divulgado pelo X (antigo Twitter), em defesa de um corredor humanitário para permitir que mães e crianças sejam evacuadas da Faixa de Gaza, em que reconhece que o Hamas sequestrou crianças israelenses, é mudança importante em busca de “um mínimo de humanidade na insanidade da guerra”. Também a defesa de um cessar-fogo por parte de Israel “para que as crianças palestinas e suas mães deixem a Faixa de Gaza através da fronteira com o Egito” demonstra uma preocupação além da visão ideológica que vinha dificultando a retórica oficial do governo brasileiro.
Ao classificar o golpe terrorista como “a mais grave violação aos direitos humanos no conflito no Oriente Médio”, o presidente brasileiro reconhece as dimensões excepcionais do ataque e recoloca o país em condições de presidir o Conselho de Segurança da ONU com o objetivo de “trabalhar pela promoção da paz e em defesa dos direitos humanos no mundo”. Mesmo que, como os adversários políticos acusam, tenha ajustado sua posição para se conectar com o sentimento da maioria da população brasileira, e do mundo ocidental, o presidente Lula mostra que é sensível à pressão, o que é bom sinal para quem atua numa democracia.
A questão dos reféns é uma mudança de paradigma nesta guerra e acrescenta uma dose a mais de perversidade aos ataques terroristas. Caso seja confirmado que existem brasileiros feitos reféns pelo Hamas, a posição do Brasil ficará muito mais delicada. Depois do assassinato de brasileiros — que o Itamaraty a princípio chamou de “falecimento”, em seguida, diante do protesto pela delicadeza indevida de palavreado, trocou por “morte”, sem ter conseguido chegar à verdadeira designação —, no momento em que há cidadãos do país reféns de um grupo terrorista, que não obedece às regras internacionais, não se pode tergiversar, nem ficar fazendo análises históricas para justificar uma barbaridade como essa.
Fazer reféns — homens, mulheres, jovens, crianças, bebês — para negociar algum tipo de vantagem ou servir de escudo humano é um crime de guerra definido pela ONU. O Brasil tem de ser muito duro para defender seus cidadãos e seus valores. O país está tendo uma atitude muito eficiente ao resgatar os brasileiros em Israel. O trabalho do Itamaraty e da Aeronáutica está aparentemente perfeito, tanto na logística quanto na humanidade. Mas a mudança de patamar da retórica do presidente Lula — não do governo brasileiro ainda — se deve também a isso.
Quando fala que é uma barbárie haver crianças como reféns, certamente está se resguardando para o caso de que existam crianças brasileiras no grupo. Não há informações sobre isso, mas ele já se antecipou e fez muito bem, porque a barbárie revelada é tão grande que não é possível ficar com meias palavras neste momento, tentando esconder os fatos. Depois, se houver possibilidade de negociação, se colocam as outras questões. Agora,é preciso pressionar o Hamas para libertar os reféns e Israel para conter seus ataques dentro de limites civilizados, e também para permitir a saída de refugiados.