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A mosca

 

Um pedreiro anônimo teve mais do que os seus 15 minutos de glória. Teve 16. Trabalhando no cemitério junto a uma igreja de São João del Rey (MG), emocionou a nação e comoveu a cúpula do Estado que lá estava para sepultar Tancredo Neves – ato final de um drama que abalou todo o País. Ficou no ar em rede nacional, via satélite, nem por isso se afobou, cumpriu o ofício como se estivesse sozinho, caprichou com sua pá humilde, dando à cerimônia um momento de reflexão: assim passa a glória do mundo.


Não tenho certeza, mas apareceu no Fantástico, nos programas do Jô e do Faustão, mereceu charge do Chico, artigo do Elio Gaspari. Tanta e tal façanha foi agora superada em escala mundial por uma mosca que saiu não se sabe de onde, de alguma lixeira de Washington (DC) e, ludibriando o esquema de segurança mais ostensivo da história, penetrou no sagrado espaço oval do salão também oval da Casa Branca, importunando o homem mais poderoso do mundo.


O Houaiss explica (ou complica) o que seja uma mosca: designação comum aos insetos dípteros esquizófonos da subordem dos ciclórrafos que se dividem em caliptrados e acaliptrados. É coisa antiga no universo. Tibério, em Capri, passava o tempo matando moscas para se distrair do tédio de governar o maior império do mundo.


Mais ou menos com o mesmo poder e já com algum tédio, Barack Obama trucidou com certeiro golpe e destra mão um exemplar da espécie, que teve também seu momento de glória. Não precisou usar seu assombroso arsenal militar, seus porta-aviões que sozinhos são capazes de dominar a Terra, suas ogivas nucleares, os serviços do FBI e da CIA.


Com um peteleco e uma expressão de quem é hábil em matar moscas, deu um único golpe e matou a mosca e a questão.


Folha de S. Paulo, 21/6/2009