Neste Dia de Finados pensamos na morte. E pensamos na morte como uma coisa triste, melancólica, o fim da nossa existência ou da existência de pessoas que foram importantes para nós e que desapareceram para sempre de nossas vidas.
Mas será esta toda a verdade? Será que precisa ser assim? Foi a pergunta que me fiz ontem, ao ler, na internet, uma pequena notícia que, por simbólica coincidência, apareceu exatamente na véspera deste dia de tristeza.
A notícia dizia que Abílio Domingos Viana, um aposentado de 71 anos, sofreu um infarto fulminante e morreu dentro de uma sala de votação em Salvador (BA) no domingo das eleições. Ele já estava ao lado da urna eletrônica, na 40ª seção da 2ª zona eleitoral, instalada no Colégio Euricles de Matos, no bairro do Rio Vermelho; disse aos mesários que não se sentia bem, pediu para sentar, desfaleceu em seguida.
Os primeiros socorros foram prestados por um médico e uma enfermeira que foram votar no mesmo colégio, na capital baiana, mas o aposentado não resistiu e veio a falecer.
Vejam agora os curiosos e significativos detalhes deste triste acontecimento. Primeiro: esse homem tinha 71 anos. De acordo com a lei, portanto, não precisava mais votar. Por que o fez? Porque eram um adepto fervoroso de um dos candidatos, de Dilma ou de Serra?
Porque era um militante político? Porque era um crente na democracia, e achava que essa crença não tem nada a ver com faixa etária? Porque estava acostumado a votar e não queria romper com uma rotina de muitos anos? Porque queria demonstrar a alguém, a familiares, a amigos, que ainda tinha condições de mostrar sua vontade como cidadão?
Não importa. O que importa é que, de alguma maneira, talvez já com dificuldade, ele foi para o local de votação. Lá, sentiu-se mal. E acabou não conseguindo seu objetivo: morreu antes de chegar à urna eletrônica.
O que poderia ter consequências. Imaginem, por um momento, que a eleição tivesse terminado rigorosamente empatada, e que o voto desse homem pudesse, por um capricho da sorte, ter sido decisivo. Imaginem a importância que o doloroso incidente alcançaria então.
Mas isso não aconteceu, e a morte acabou se traduzindo numa curta e seca notícia, que não fez sequer manchetes. Podemos, contudo, fazer justiça a esse homem. Podemos imaginá-lo chegando ao Céu (alguém duvida de que este será seu destino final?) e sendo recebido, até com honrarias, por santos e anjos. Perguntam-lhe, então, de que maneira ele quer começar sua vida eterna.
Votando, ele responde. E de imediato vai em busca da urna eletrônica, o grande e derradeiro sonho de sua vida.
Zero Hora (RS), 2/11/2010