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Morte em Bagdá

 

Não se cobre coerência ao terror. Esse exercício nos levaria a desmesurada confusão mental. Numa lógica linear, o último atentado a ser praticado pelos desesperados iraquianos seria à sede das Nações Unidas em Bagdá. A ONU resistiu a todas as pressões americanas para aceitar a invasão do Iraque como guerra justa. Seus inspetores esgotaram o extremo da paciência nas repetidas e infrutíferas viagens que fizeram em busca das armas de destruição em massa. As Nações Unidas recusaram-se a participar de uma farsa para descobrir os esconderijos dos artefatos que iriam levar as bombas biológicas e químicas tão desejadas por Condolezza Rice.


A ONU, depois de tudo consumado sem o seu aval e com o seu protesto, aceitou ajudar o Iraque a sair do seu labirinto de dor, constituindo uma missão humanitária para em Bagdá ajudar o povo iraquiano neste momento difícil.


Para essa missão, escolheu um homem tarimbado em tarefas difíceis, com grande experiência nas bandeiras da paz, missão árdua dos organismos internacionais, feitos para harmonizar conflitos entre as nações, mas até hoje fragilizados pela debilidade de seus recursos materiais e militares, sem contar a resistência que têm de enfrentar contra a tutela das grandes potências.


Vieira de Mello começou sua vida na assistência a refugiados que perambulam pelos caminhos do mundo, expulsos de seu chão por impasses políticos e militares. Ajudou gregos e troianos, sem perguntar por credos e razões, todos vítimas de conflitos não resolvidos.


No Líbano, fez parte dos batalhões azuis da ONU. Esteve em Bangladesh, entre catástrofes e rescaldos que vinham desde a divisão do Império Britânico das Índias. Moçambique e Kosovo foram outras paradas.


Em Timor Leste, talvez sua missão mais difícil, foi peça principal na reconstrução de um país que buscava sua alma e sua história. Partiu com acenos de gratidão.


No desdobramento de sua carreira, chegou ao Alto Comissariado dos Direitos Humanos, de onde saiu para a saga do Iraque.


Todos confiavam em seu talento diplomático, inteligência, firmeza, habilidade e, qualidade não menos importante, o jogo de cintura, o gingado carioca.


Ali, as coisas se complicaram. Entrou no núcleo do ''pugilato da razão com o erro''. Uma pergunta que nos atormenta é a vulnerabilidade em que se encontrava. Certamente o Comando Geral das forças de ocupação do Iraque está bem protegido. A sede da ONU, em missão humanitária, tinha apenas a bandeira das Nações Unidas e o símbolo da pomba da paz. Coitada da pobrezinha!


O final é a tragédia, na qual o nosso país participou com o sangue e a vida de um brasileiro exemplar. Foi ele quem bem definiu a situação, com o dedo na ferida:


- Eu não gostaria de ver tanques estrangeiros em Copacabana.


Resta a constatação desalentadora de que a guerra do Iraque está apenas começando. Será ''infinita enquanto dure''.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em 22/08/2003

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em, 22/08/2003