O impacto das marchas e desordens nas principais cidades do Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro, evidencia este paradoxo entre o avanço da cidadania e o desfigurar-se da mobilização pelo vandalismo crescente, na sua cauda. Só se reforçam, ao mesmo tempo, os empenhos de manter a nitidez da mensagem, ao evitar todo o contágio partidário, sobretudo das legendas radicais. O recado é o do próprio símbolo da insatisfação geral com o estado de coisas da nossa vida pública, e o imperativo de mudança.
Há a falar na irrupção do inconsciente coletivo, brotado, entretanto, da classe média enriquecida, nesta última vintena, pela performance econômica do país, desde o Plano Real. Não se trata de um grito vindo dos pobres e marginais, mas de uma demanda difusa, com a clássica marca moralista.
Não se procurem objetivos determinados, nem lideranças. Nem se descarte, entretanto, a memória de marchas prévias, mas com objetivos determinados de confronto, qual a das “Diretas Já” ou a do “Fora Collor”. A voz das ruas permaneceu em reclamos vagos e generalizadas de melhoria dos serviços públicos; ou de garantia das clássicas prioridades de educação e de saúde, na governança brasileira. Não afloraram clamores pela melhor distribuição de renda ou ampliação de empregos.
O superprotesto nas praças e avenidas deve ficar, no seu próprio gesto, como um alerta generalizado aos sistemas de poder. E se estiolaria o movimento se, de imediato, passasse a um programa, na batalha de prioridades, ou mesmo do seu enunciado. Mas pagamos, e crescentemente, a mistura da ida às ruas com a malta, que nela se introduz, num estigma, ainda, do nosso subdesenvolvimento. Perverte-se o que surge, de saída, com o impulso do ato cívico e termina com os desatinos da gangue, premeditadamente infiltrada no seu seio. E o distúrbio só avança entre a destruição sumária e o saque crescente das lojas devastadas. Nossa consciência emergente depara este sufoco, na rápida desnaturação do protesto, em claro contraste com as marchas dos países desenvolvidos. “Maio de 68”, ou a “praça dos indignados”, ou o “Occupy Wall Street” não foram, jamais, acompanhados do dano à cidade ou da depredação dos seus espaços. Não parece haver remédio a esta infiltração desfiguradora, que chegou aos seus extremos no Rio de Janeiro. Nem pode ser outra a reação de repulsa dos grupos cívicos, como o do Passe Livre, no entender a exaustão rápida que aguarda a sequência desses protestos. Vamos à marcha, assistida pela polícia, já no acompanhamento da dita “banda boa” dos protestos, pelos escudos e cassetetes? E, nesses mesmos termos, qual o limite da espontaneidade da mobilização, cujo tamanho, nas praças e avenidas, é o recado aos governantes? Na filtragem, praticamente impossível, o movimento sucumbe na véspera. No seu inevitável desatavio, morre de morte anunciada.
Jornal do Commercio (RJ), 15/7/2013