As homenagens em memória de Eduardo Portella anteontem, na “Sessão de Saudade” da Academia Brasileira de Letras, ultrapassaram fronteiras: além das palavras de despedida de praticamente todos os acadêmicos, chegaram mensagens de Espanha, México, Itália, França, Bulgária e Japão. Manifestaram pesar e exaltaram sua importância como intelectual os sociólogos franceses Edgar Morin e Michel Maffesoli, o filósofo italiano Gianni Vattimo, o poeta e ensaísta espanhol Rafael Argullol, entre outros. A diretora da Unesco, a búlgara Irina Bokova, enviou longa carta à família em que afirma que Portella “não foi somente um grande ator” dessa organização da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura, mas também um de seus mais vibrantes e eloquentes advogados”. Segundo ela, o projeto Caminhos do Pensamento, criado por ele, “foi o mais bem-sucedido” da instituição.
Enquanto isso, durante duas horas, os confrades de Portella abordaram os múltiplos aspectos de sua obra e de sua atividade na ABL — o extraordinário crítico literário, o agudo ensaísta, o profundo pensador do Brasil. Como acadêmico, ele foi uma referência, um ponto de encontro ao qual se comparecia duas vezes por semana. Seu humor sagaz e às vezes mordaz era irresistível. Difícil sair de uma conversa com ele sem dar boas risadas. Em campanhas para preenchimento de vaga, era indispensável ouvi-lo, até para discordar.
Um dos aspectos que mais me interessavam na sua biografia era o da política, talvez porque eu tenha acompanhado alguns momentos dessa participação. Não só ele deixou uma reflexão teórica sobre “O intelectual e o poder”, título de um de seus livros, como viveu a relação na prática, ocupando cargos públicos. Trabalhou na Casa Civil de Juscelino Kubitschek, foi ministro da Educação e Cultura do general Figueiredo e secretário de Cultura de Moreira Franco.
Em 1978, o recém-nomeado ministro me concedeu uma longa entrevista para a “Veja”, expondo seu programa, realmente inovador. Depois, perguntou: “E você, o que acha?”. Quando disse que ele iria enfrentar dificuldades, interrompeu, me encarou e garantiu: “De uma coisa você pode estar certo: se tiver que fazer alguma coisa contra minha classe, me demito”. Pensei comigo: “falar agora é fácil, quero ver na hora de sair”.
Não demorou muito, e o ministro cumpriu a promessa. Quando o governo quis que ele reprimisse uma greve de professores, classe que também era sua, ele se demitiu, revelando-se o que é hoje um modelo fora de uso: alguém que está ministro, não que é ministro, ou seja, que não se agarra aos cargos.