Os fatos são reais e constituem um retrato de corpo inteiro de como as coisas se passam na Cidade Maravilhosa. Os nomes estão protegidos por pseudônimos, por motivos facilmente compreensíveis.
A neta de um amigo frequenta a primeira série de um afamado curso de medicina, no subúrbio do Rio. Por questões de logística, precisa trocar de condução (ônibus) defronte ao campo do Flamengo, na Gávea. Ela já havia sido alertada de que a região está infestada de ladrões, em geral menores de idade. Chegou a sua vez. Saltou do ônibus e foi abordada pelo jovem Mário Jr., de 13 anos, que lhe pediu o celular: “Passa logo, se não vou cortar você!”
Ela não viu o caco de vidro, mas não pestanejou, seguindo os sábios conselhos dos seus pais. Desvencilhou-se do celular e o garoto saiu andando, depois de colocar a máquina no bolso. Esterzinha caiu em prantos. Logo foi socorrida pela mãe, que chegara de carro para resgatá-la. Sabendo do ocorrido, a mãe ligou para o marido. Contou o fato. Ele teve a pronta reação de acionar o GPS. O garoto não havia desligado a máquina e foi localizado. Estava ali perto, defronte ao Clube Caiçaras, confraternizando com outros possíveis menores infratores.
A mãe procurou um guarda. Encontrou o modelar Geraldo, guarda municipal há 17 anos, que se prontificou a ir ao encontro do menor. Abordou-o e encontrou o celular furtado. Apreendeu os dois e levou-os para a delegacia, em companhia da mãe e de Esterzinha. Era preciso fazer a queixa.
Nessa hora, Mário começou a chorar. Negava o furto evidente. A mãe titubeou, quis desistir da queixa, mas o guarda foi incisivo: “Esses meninos deveriam trabalhar na TV Globo. São uns artistas. Quando apanhados, choram, esperneiam, negam tudo.” O delegado entrou em cena. Procurou pelos antecedentes do menino de 13 anos. Era a quinta entrada dele na delegacia, por furto e até invasão de um domicílio, na Gávea. Disse o delegado: “A sra. fica com pena dele, mas se há cinco registros aqui é porque ele já deve ter participado de mais de 50 assaltos. As pessoas não dão queixa – e isso vai se agravando.”
Descobre-se, então, que o “di menor”, como ele se qualifica, está no 5º ano da Escola Municipal Henrique Dodsworth. Estuda de manhã e assalta à tarde. Depois, leva o produto dos furtos ou roubos para vender na Rocinha. Um bom celular vale 100 reais no mercado negro.
Mário Jr. tem mãe, que trabalha o dia todo. Quem teoricamente toma conta dele é a tia, que foi procurada para vir buscá-lo na delegacia. Iria ouvir um sermão do delegado, mas este estava desanimado. Segundo ele, a legislação que rege a ação dos menores é bastante frouxa. Se o menino não é educado em casa, nem recebe as lições devidas, na escola, vai crescer na senda do crime. Não estaria na hora de dar uma ampla revisão no Estatuto da Criança e do Adolescente? A sociedade sofre com essas brechas inconcebíveis.
Jornal do Commercio (RJ), 25/10/2013