Não faz tanto tempo assim. A moça me telefonou, convidou-me para almoçar numa cantina do Leme, disse que o assunto era urgente e importante. Como morava perto, fui ao almoço e me surpreendi: a moça existia mesmo, estava bem vestida e era muito, muito bonita.
Deixou bem claro que quem pagaria o almoço seria ela. E entrou no assunto: puxou de uma pasta os originais de um livro. Antes, tranqüilizou-me; não eram poemas, nem contos, nem romance. Era uma espécie de diário entre duas datas: 14 de agosto de 1997 e 21 de maio de 1999. Durante quase dois anos, ela viajara num disco voador.
É evidente que, antes da viagem, ela fizera contatos, fora pesquisada e testada de diferentes formas, finalmente aceita para a viagem, que, na realidade, foi mais do que uma viagem, mas uma temporada num planeta ou coisa que o valha, fora do Sistema Solar.
Dentro do Sistema Solar, ela me informou, a Terra é o único planeta habitado, pois somente aqui existem condições de vida orgânica. Mas o Sol é uma estrela insignificante, insignificantes são os seus planetas. Pela imensidão do espaço, há sóis maiores e melhores, e muitos planetas mantêm, em relação a seu núcleo de energia (luz e calor), a mesma distância proporcional da Terra em relação ao Sol.
Bem, ela me disse muitas outras coisas e perguntou se eu queria dar uma olhada no diário. Perguntei por que me havia escolhido para tal e tamanha honra. Modestamente, ela disse que tivera uma intuição. Agradeci penhorado, mas recusei. Para não parecer mal-educado, expliquei meus motivos.
Tomando conhecimento de sua viagem, de duas, uma: ou negaria ou acreditaria na sua aventura. Na primeira hipótese, seria indelicado para com ela. Na segunda, teria de tomar uma porção de providências para me ajustar à revelação recebida.
O mais prático seria afastar de mim aquele cálice. Para compensar, fiz questão de pagar o almoço.
Folha de São Paulo (São Paulo) 09/10/2004