Recentemente, a propósito da tentativa de aprovar a volta dos jogos de azar no país, petistas denunciaram que o sonho de Bolsonaro é transformar o Brasil numa Cuba da época do ditador Fulgencio Batista, um cassino onde os americanos iam se divertir. Os bolsonaristas há muito atacam o PT afirmando que o ex-presidente Lula pretende transformar o Brasil numa ditadura como a cubana, regime apoiado pelo petismo.
O paralelo cruzado reflete bem a polarização que já está marcando a campanha presidencial antecipada do ano que vem e escancara o caminho que existe para uma candidatura de terceira via que tenha um projeto para o país que não seja nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O grande problema do mundo atualmente é a desigualdade de renda, que sempre esteve presente, mas ganhou dimensão planetária nos últimos anos, especialmente em países periféricos como o Brasil.
Não apenas no Brasil, a relação entre democracia e capitalismo já não é mais tão absoluta quanto foi nos últimos anos do século passado. Buscam-se modelos para aperfeiçoar a democracia representativa, que tem como um dos pilares a ideia de “uma pessoa, um voto”, criticada na China, pois não levaria às escolhas mais corretas, muito sujeitas a pressões financeiras.
Um modelo meritocrático é o que se busca nas empresas privadas ocidentais, e o que temos de fazer é buscar a legitimação da democracia representativa por reformas estruturais na educação e na distribuição de renda e das regras eleitorais, para que o cidadão tenha capacidade de escolher melhor candidatos melhores. O economista francês Thomas Piketty, um dos mais atuantes debatedores da desigualdade como fator de enfraquecimento das economias ocidentais, em seu mais recente livro em português, editado pela Intrínseca, faz uma análise sobre “uma breve história da desigualdade”. Em seguida será lançado o novo livro “Vivement le socialisme!”, ainda sem título em português.
Em entrevista à revista Le Point, Piketty diz que os Estados Unidos “inventaram um imposto progressivo bastante elevado, como em nenhum outro lugar, mas logo em seguida, com o mesmo vigor, foram no sentido oposto”. Referia-se à política do presidente Ronald Reagan, que, segundo ele, embora não fosse absurda, não deu certo. “Trinta anos mais tarde, constatamos que os americanos não alcançaram o aumento de renda esperado e, ao contrário, a taxa de crescimento da renda por habitante caiu pela metade entre 1990 e 2020.”
Piketty cita a questão da educação, fundamental na redução da desigualdade, como indicativo negativo do desenvolvimento americano: “O país ainda tem grandes universidades, ricas e no topo dos rankings, mas 70% dos americanos mais pobres não têm acesso a uma boa educação”. Piketty diz que o Imposto de Renda progressivo “permitiu reduzir muito a desigualdade sem impedir o crescimento, pois a receita gerada — pelos encargos — serviu para investir na educação, na saúde e nas infraestruturas”. Não é à toa que bilionários e milionários americanos fazem campanha pedindo para pagar mais impostos.
Entre nós, a discussão sobre a desigualdade de renda ganha contornos ideológicos que transformam o capitalismo na maldição da humanidade, e o comunismo, abandonado por Cuba e pela própria China, na salvação. Recentemente, o ex-presidente Lula festejou o centenário do Partido Comunista Chinês ressaltando que a China tem um partido político forte e um governo forte, por isso o governo tem controle e poder de comando.
Partido único e governo forte são a receita perfeita para a imposição de ideias e decisões do Partido Comunista da China, mas não nas democracias ocidentais como a nossa. O próprio Piketty, em entrevistas, já reconheceu “a tremenda redução da desigualdade de renda em termos globais, advinda da elevação de padrão de vida nas partes pobres do planeta nos últimos 30 anos, um aspecto muito positivo da globalização”. Ao analisar o modelo de desenvolvimento chinês, deveríamos fazer o mesmo que eles, em direção contrária: copiar as coisas boas do socialismo e adaptá-las ao capitalismo.