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Meu mundo agora é o jardim

 
“Passo os dias em Itacoatiara, pequena praia de Niterói. Cercado de livros e pássaros, meu mundo agora é o jardim. O barulho das ondas fere meu piano de umidade, mas ele sonha e respira. Ouço a Nona Sinfonia neste Domingo de Páscoa. Beethoven, como bem sabe o amigo, criou o mundo em nove dias. E, portanto, não haverá Apocalipse.
É tempo de ler os clássicos: Dante e Machado, Homero e Camões, Clarice e João Cabral. Cada obra possui um relógio de alta precisão para dizer as horas. Alguns funcionam há séculos.
Drummond pede que fiquemos juntos, de mãos dadas, porque o presente é infinito. E, assim, preparo listas de leitura aos amigos de zonas vulneráveis. De mãos dadas, após a pandemia.
Por que não fazemos a leitura coral de um conto de Machado ou de um poema de Bandeira? Cada frase, a partir de um bairro do Rio, um coro à capela, na riqueza de nossas pronúncias e periferias.
Aqui, na praia de Itacoatiara, no jardim que me protege, quando a loucura e a pandemia se entrelaçam, repito em voz alta a frase de um romance de Machado de Assis: ‘Alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões’".
O Globo, 12/04/2020