Só aos 6 ou 7 anos de idade deixei Maceió de vez. Fui acompanhar meu pai no Rio de Janeiro, onde acabara de ser nomeado diretor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (o IBGE, recém-criado), que tinha em seus quadros tantos companheiros seus da juventude.
No fim do século XIX, Alagoas tinha sido incorporada a Pernambuco tendo se tornado o sul da Capitania mais poderosa e rica do país, aquele vasto território que os holandeses não controlavam mais. O movimento histórico tinha sido simultâneo às manobras dos políticos e senhores portugueses, o pessoal da Corte carioca que precisava se livrar da influência bastava para seguir administrando do seu jeito as reservas de cana-de-açúcar.
Meu avô, por parte de mãe, se chamava José Fontes. Tenho seu nome contido no meu. Mas nós só nos referíamos a ele como Papai Fontes. Ele sempre aparecia para nos contar as histórias da família, o que teria acontecido com os Fontes ao longo do tempo.
Pelo que me lembro e pelo que me contavam, Papai Fontes era um homem rico e bem-sucedido. Tendo começado a vida como plantador de cana, acabou por se transferir a outras atividades que exercia de Maceió. E tudo era muito claro pelos resultados que ia obtendo. Lembro-me do dia em que anunciou a negociação de um seu terreno para que ali fosse construído o Estádio Rei Pelé, um dos últimos templos do futebol da região. O Rei Pelé está lá até hoje, servindo aos clássicos entre o CRB e o CSA.
Depois da separação de minha avó, o prestígio de Papai Fontes junto à família caiu muito. Trágico e conformado, estava convencido de que merecia a desgraça. Confesso que não sei e ninguém conseguiu me explicar direito por que um homem com seus recursos iria falir de modo tão radical por causa de um desastre como aquele que seus barcos haviam sofrido. Num portinho relativamente inseguro como o de Maceió, não devia ser tão raro assim aquele tipo de desastre.
Só posso imaginar que o desastre fora apenas o coroamento de um momento difícil em sua vida. Com Zaira e Creusinha muito bem casadas, nos braços de Manelito e Ulisses, além dos rapazes Thomas Edson e Byron Fontes com seus destinos encaminhados, só posso imaginar que Papai Fontes tenha sofrido alguma grave frustração em outro plano de sua história. E este só podia ser o de Baby, ou Noêmia, sua antiga esposa, minha avó, agora separada dele.
Baby havia voltado para os braços de sua família em Camaragibe e proibido os seus de qualquer contato com José Fontes. Ela certamente não queria misturar as coisas, preferia manter sua sagrada tradição longe do modernoso ex-marido. E como estávamos todos proibidos de vê-lo, minha mãe não tinha outro jeito que não o de negociar cada visita de Papai Fontes. Praticamente ganhei todas essas disputas com meus irmãos, acabava acompanhando nossa mãe nesses encontros e depois ajudava a compor as consequências deles.
Graças a isso acabei juntando farto material sobre essa história e o pessoal envolvido nela. Na verdade, pretendia escrever um romance de cartas, com cada um dos personagens escrevendo e dando notícias desconhecidas sobre o que tinha acontecido.
Foi quando conheci Jeanne Moreau em Paris e ela me disse que queria muito fazer um filme no Brasil. Não sei se Jeanne percebeu a lorota, mas disse a ela que estava justamente escrevendo um roteiro que tinha tudo a ver com o que estava me dizendo. Fui para casa, perto do centro da Sorbonne, e escrevi o roteiro de “Joanna Francesa”, cuja primeira versão acabei finalizando no próximo fim de semana, todo inspirado nas histórias que ouvi de Papai Fontes.