A saudável vida universitária proporciona permanentemente novos conhecimentos. Foi o que ocorreu no campus Ibirapuera da UniFMU, quando o professor Edevaldo Alves da Silva reuniu o neurologista José Salomão Schvartzman e a médica e pesquisadora Ana Beatriz Barbosa Silva (ambos da Academia das Ciências de Nova York) para discutir um tema de grande atualidade: transtornos devidos aos déficits de atenção.
Uma inferência inicial: em nosso país, há 6% de crianças em idade escolar que sofrem o problema. Só na rede pública de São Paulo, isso corresponde a 60 mil pessoas, o que positivamente não representa pouco. Abrange hipercinéticos (expressão antiga) ou hiperativos, com reações de impulsividade, dispersão e esquecimento momentâneo. Uma criança assim pode ligar 100% da sua atenção a uma determinada questão, quando há interesse, ou fazer exatamente o oposto, não ligando a mínima para o que esteja ocorrendo à sua volta. Muitas vezes, ela é movida por impulsos, mas sem a filtragem que caracteriza pessoas ditas normais.
A busca de resultados positivos tanto pode levar à bioquímica (remédios), prerrogativa só de médicos, ou a uma forte orientação escolar, com a colaboração de pais interessados. Ficou patente, no debate havido, que o tratamento farmacológico não pode ser o ponto de partida, até porque o hiperativo é movido pela paixão. Quando maior, se torna mais viável a correção dos desvios de atenção, sobretudo quando são valorizados o talento e a criatividade.
Esses estudos, que irão se desenvolver na UniFMU, abrangem uma correlação com os indivíduos portadores de altas habilidades, como são hoje chamados os superdotados. Não mais é recomendável sejam eles segregados do convívio de classe, mas se exige do professor um pouco mais de preparo para lidar com essas diferenças.
Ana Beatriz considera que, na era do conhecimento, é imprescindível a valorização dos talentos. E mais: "Sem fé, ou seja, transcendência, não haverá conhecimento". É o que explica no livro "Mentes Inquietas" (editora Gente), que se encontra na 29ª edição.
Sempre existirá o prazer de criar algo, portanto sempre seremos favoráveis à inclusão, que suscita solidariedade. Todos devem estabelecer relações especiais de compreensão e ajuda, até mesmo para valorizar a diversidade, como pretende a recém-criada Associação dos Estudantes com Distúrbios de Déficits de Atenção (Aedda). A impulsividade pode ser uma coisa boa (o talento não pode ser atrofiado), levando-se em conta o verso inspirado do poeta Paulo Bonfim: "Livrai-nos da tentação de sermos superiores ou inferiores a alguém".
Os indivíduos portadores de altas habilidades recebem pouca atenção das autoridades, desprezando, inclusive, os estudos da especialista Helena Antipoff. Não se aceita o aluno desviado do comportamento padrão -indivíduo que necessita de cuidados especiais para amenizar a sua condição de "diferente".
No Centro Nacional de Estudos Especiais (Cenesp), são considerados como superdotados aqueles que apresentam capacidade intelectual geral, aptidão acadêmica específica, pensamento criador ou produtivo, talento especial para as artes visuais, dramáticas e musicais e capacidade psicomotora. Consideram-se hoje, também, a hiperatividade, a distração, a negligência ao falar e escrever, a instabilidade aparente de interesses e a atitude crítica acentuada.
Figuram entre as características intelectuais dos superdotados a habilidade para lidar com palavras, a capacidade de aprendizagem e de memória, a capacidade de pensamento abstrato para analisar, associar e avaliar, a sensibilidade e a capacidade de resposta ao meio ambiente, a imaginação fora do comum, a flexibilidade de pensamento, a curiosidade sadia, a permanência de interesse e atenção, a produção ideativa, a maturidade de julgamento e a habilidade para lidar com seus problemas.
Identificam-se como características psicológicas a independência de pensamento, a rapidez perceptiva, a profundidade de compreensão, a originalidade, a persistência em alvos mais distantes e o desejo constante de se superar.
As qualidades de empatia, sociabilidade e cortesia, os traços de comportamento cooperativo, o poder de autocrítica, a capacidade de assumir situações complexas (criadas artificialmente ou não) e o companheirismo imaginativo são incluídos nas características sociais de um superdotado.
Conclui-se que há um belo campo de estudos e pesquisas nessa área, em que recentemente tudo era dúvida.
Folha de São Paulo (São Paulo) 05/10/2005