Tomei emprestado para este artigo o título do livro de Bernardim Ribeiro, que na minha adolescência fazia parte da formação clássica. É velho como a Sé de Braga, como se diz em Portugal, de 1554. Começa — cito de memória e me sujeito a erros — assim: “Menina e moça me levaram da casa de minha mãe para muito longe. Que causa fosse então a daquela minha levada, era ainda pequena, não a soube.”
Essa atrocidade revoltou o Brasil, nosso povo, independentemente da formação religiosa, independente da controvertida posição sobre o aborto. É uma brutal atrocidade que nos choca a começar pela monstruosidade corporal. Uma criança pura de sentimentos, sem saber o que é sexo e cujo corpo não está fisiologicamente apto para o ato sexual.
O nosso sistema jurídico só permite o casamento a partir dos 16 anos, assim mesmo com o consentimento dos pais, pois a idade legal de casar é 18 anos. Com menos de 16 só em caso de gravidez. É verdade que a realidade é bem outra. Estamos em 4º lugar em casamentos de crianças de até 15 anos, precedidos pela Índia, Bangladesh e Nigéria. E pasmem: no Brasil o Estado onde é primeiro é o Maranhão.
Uma vez ouvi em Bacabal de um chefe político a história de um fazendeiro que tinha a fama de comprar virgindade, quase sempre de mocinhas pobres. Fiquei chocado, mas atribuí a informação em parte a essas infâmias que, no interior, colam nos adversários políticos para desqualificá-los e destruí-los.
Verdade é que essa menina ficará como um caso ultrajante na história dos nossos costumes. Pensar numa menina grávida aos dez anos, violentada pelo tio, e no martírio da violação desde os seis anos de idade, cria indignação e revolta.
É que o ato sexual não envolve só o contato corporal, mas uma gama de sentimentos contraditórios que vão desde o amor até à vivência das relações pessoais, do afeto até a devassidão e o ultraje, para os quais as pessoas têm de ter a faculdade de reação. Envolve a pureza e o carinho de estar junto. Foi o Criador, segundo o Gênesis, que melhor o definiu dizendo que “serão dois em um”.
A inocência, esse aspecto de fragilidade e ternura que envolve a meninice, nos leva a ter a infância como uma fonte sublime e pura da existência humana. Ela se revela na alegria da graça da vida, num tempo que forma nossas referências e fica como memória. Mas esse período ficará para essa menina como apenas o horror desse bárbaro episódio.
A menina não perdeu somente a virgindade e inocência. Perdeu o nome, perdeu a identidade, tem que ser outra para ser a mesma.
Como viverá daqui para frente? Como apagará essa indelével mancha?