Adolpho Bloch era um otimista nato. Vivia repetindo uma frase que se tornou célebre: “Nossa riqueza é o otimismo”. Defensor entusiasmado da mudança da capital para Brasília, foi esse fato que o ligou, como irmão, ao então presidente JK. Sofreu muito com a cassação de Juscelino e jamais abandonou essa amizade, como sou testemunha privilegiada. Sabendo das dificuldades financeiras do ex-presidente, incumbiu-me por duas vezes de levar-lhe suprimentos financeiros (US$ 7 mil por vez), para que pudesse ter vida tranquila em Nova York e Paris. Adolpho me dizia: “Ele não foi acusado de ser a sétima fortuna do mundo? Está sem dinheiro para viver lá fora”. Essa demonstração de solidariedade sempre me emocionou. Relembro esses fatos em meio a tantos outros, no livro que será agora lançado.
É natural que as gerações mais novas não tenham qualquer noção do que representou para a comunicação brasileira o complexo industrial das Empresas Bloch. Num dado período, nas décadas de 1960 e 1970, chegou a ser a mais importante gráfica do país, com máquinas alemãs e italianas moderníssimas. A sua rotogravura Albertina só faltava falar. Imprimia em cores a altíssima velocidade. Foi assim que a Manchete tornou-se a mais importante revista semanal do Brasil, arrancando admiração até de especialistas estrangeiros.
No ano 2000, depois de uma série de peripécias administrativas e judiciais, envolvendo inclusive as emissoras de rádio e de televisão, tudo veio por água abaixo. A firma foi fechada, deixando quase 3 mil profissionais na rua. Até hoje, alguns deles lutam para receber os direitos. O lindo prédio (na verdade, eram três geminados), na Rua do Russell, foi vendido em leilão e, depois de retrofitado, abrigará uma série de empresas petrolíferas. Será que o arquiteto Oscar Niemeyer, quando bolou aquilo tudo, ao lado do sonhador Adolpho Bloch, terá um dia pensado que o seu projeto teria esse destino?
Depois de 12 anos, para as gerações mais maduras, resta a saudade daqueles tempos. Eram 12 revistas de atualidades, além da Manchete, e também impecáveis serviços gráficos. Sou suspeito para falar das estações de rádio, por ter sido pioneiro na construção da sua rede, a partir da Rádio Federal, hoje ainda a Rádio Manchete. E quem, nessa idade, não se lembra das enormes expectativas da Rede Manchete de Televisão, com sua programação “para o ano 2000” e telenovelas que chegaram a balançar a liderança da Rede Globo. Foi assim com Pantanal e Dona Beija. Aliás, aconteceu o mesmo com as belíssimas coberturas de carnaval, quando a Manchete dava verdadeiros shows de jornalismo televisivo.
O meu vínculo com a empresa nasceu em outubro de 1955, quando fui levado pela família Rodrigues (Augusto, Paulo e Nelson) para trabalhar, garoto ainda, na Manchete Esportiva. Lá fiquei cerca de 37 anos, em que acumulei notáveis experiências, especialmente com a figura singular de Adolpho Bloch. Ele era um líder, com todas as qualidades e defeitos de um ser genial. Capaz de gestos de muita grandeza, como demonstrou no apoio que deu a JK, depois da injusta cassação sofrida, tinha um olho clínico invejável para as artes gráficas (isso herdado do pai, Joseph) e uma coragem quase irresponsável para realizar investimentos numa economia inflacionária. Quando resolveu construir os prédios da Glória, banqueiros amigos o desaconselharam, mas Adolpho preferiu seguir a sua incomparável intuição. “Não tenho nada a perder.
Fui instado por muitos amigos a escrever sobre essa experiência vivida e sofrida. Demorei um pouco a tomar coragem, mas finalmente fiz o dever de casa. Aí está o livro Memórias de um sobrevivente, da Editora Nova Fronteira. Se tem um mérito, é o de ser fiel aos fatos passados. A experiência da Manchete agora é história. Quando cheguei ao Brasil, em 1922, só tinha trazido da Rússia um pilão da minha família.”
Correio Braziliense, 21/8/2012