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Memória de um repórter político

 

Já está nas livrarias o novo livro do jornalista Villas-Boas Corrêa, "Conversa com a memória", que nele faz um retrospecto e dá um autorizado depoimento acerca dos últimos 50 anos da política brasileira.


Trata-se de um painel abrangente sobre os governos de Dutra, Getúlio, Juscelino, Jânio, Jango, os 21 anos de ditaduras militares, a Nova República de Tancredo e de Sarney, a ascensão e queda de Collor, o mandato de Itamar e a era de Fernando Henrique Cardoso.


O autor cumpre todo esse roteiro com enorme competência, estilo admirável, memória excepcional, texto leve e atraente, que prende o leitor da primeira à última página.


Ele conta, por exemplo, um episódio ocorrido durante reunião do Diretório Nacional da UDN, quando um chefe político do interior se prolongava na tribuna com um discurso monocórdico e torrencial sobre intrigas municipais. O deputado Octávio Mangabeira, que presidia a reunião, não se conteve quando o deputado Aluízio Alves lhes perguntou quem era o ilustre orador e respondeu:


- Não sei. Deve ser algum transeunte...


Villas-Boas e eu fomos participantes daquela histórica viagem do candidato Jânio Quadros a Cuba, em maio de 1960, quando o embaixador brasileiro em Havana, o Sr. Vasco Leitão da Cunha, ofereceu uma recepção à comitiva do candidato, que ouviu de Fidel Castro a seguinte história, por mim assistida do começo ao fim, na presença inclusive de "Che" Guevara, Raul Castro, Raul Rôa, Afonso Arinos, Adauto Cardoso e Amaral Neto:


"Imagine, Dr. Jânio, que, após depormos o ditador Batista, queríamos encampar uma empresa estrangeira ou um banco americano e o Dr. Manuel Urrutia - que havíamos designado para a Presidência da República - se opunha à encampação. O senhor sabe o que eu fiz, Dr. Jânio? Eu renunciei ao meu posto de primeiro-ministro. No que eu renunciei, o povo veio para esta praça, aqui em frente e acampou durante três dias e três noites, exigindo a minha volta. Eu voltei, demiti o dr. Urrutia, mandei-o para Miami e nomeei o dr. Oswaldo Dorticós para substituí-lo".

Na viagem de volta, sentado no último banco do avião, rolando uma dose de uísque quente, entre as mãos, Jânio disse-me o seguinte:


- Você viu, Murilo, o que o primeiro-ministro fez? Ele renunciou e o povo veio para a rua, exigir a sua volta.


Tenho hoje absoluta certeza de que aquele episódio narrado por Fidel, em Havana, ficou bailando na cabeça de Jânio e influiu muito na sua decisão de renunciar à Presidência, porque, ao chegar a Cumbica, indo de Brasília após a renúncia, e ainda dentro do avião, ele perguntava em altos brados:


- E o povo? Onde está o povo que não me veio buscar? Após aquela renúncia, acontecida há 41 anos, numa sexta-feira, 25 de agosto de 1961, "Dia do Soldado", o Brasil iria entrar numa das mais atribuladas e tumultuadas fases da História republicana.


Nós dois, Villas-Boas e eu, fomos testemunhas de muitos outros acontecimentos importantes da política brasileira, durante a segunda metade do século XX.


Na presença do então deputado e hoje acadêmico confrade Oscar Dias Corrêa, integrávamos, nós ambos, nessa época - quando a Câmara funcionava aqui no Palácio Tiradentes, antes da mudança para Brasília -, uma inesquecível geração de repórteres e de jornalistas políticos: Prudente de Morais Neto, Heráclio Sales, Mário Martins, Samuel Wainer, Murilo Marroquim, Doutel de Andrade, Osvaldo Costa, Pompeu de Souza, Raimundo Magalhães Júnior, Otto Lara Rezende, Odylo Costa, filho, Francisco de Assis Barbosa, David Nasser, Edmar Morel, Osório Borba, Ozéas Martins, João Duarte, filho, Rafael Correia de Oliveira, Moacyr Werneck, Fernando Sigismundo, Pedro Gomes, Cícero Sandroni, Wilson Figueiredo, Mauritônio Meira, Benedito Coutinho, Octacílio Lopes, José Wamberto, Espiridião Esper Paulo, Castejon Branco, Carlos Chagas, Oyama Telles, Carlos Castelo Branco, Villas-Boas Corrêa e eu, que era muito mocinho e que estava batalhando por um lugar ao sol neste firmamento e nesta galáxia de grandes estrelas.


Villas-Boas sempre foi e ainda hoje é um motivo de justo orgulho para toda esta geração de jornalistas profissionais, que dele muito se honra, não só pela sua capacidade de repórter e de redator incomparáveis, como também pela sua integridade e pela sua honradez pessoal.

Este seu livro - "Conversa com a memória" - transporta-nos a um tempo de admiráveis políticos da UDN e do PSD.


Deles todos - que nos brindaram com debates inesquecíveis, com um exercício diário de inteligência e de talento oratório -, deles todos, de suas magníficas lições de coerência, correção, oratória, altivez e dignidade, sentimos ainda hoje muita falta e saudades imensas.


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em 03/09/2002

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em, 03/09/2002