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Medas e persas

 

RIO DE JANEIRO - Durante anos, freqüentei cinemas e cinematecas. Não havia vídeos ou DVDs, que hoje posso comprar ou alugar. Ao contrário da lenda de Maomé e da montanha, se eu não fosse à montanha, a montanha não viria a mim.


Num mesmo dia, vi dois filmes que terminavam com o cara na cadeira elétrica, aliás, um na cadeira elétrica e o outro na forca -o que dava mais ou menos no mesmo.


Minutos antes da execução, um sacerdote dava ao condenado uma Bíblia. Que ele escolhesse um trecho, que lesse um versículo como consolação final e redentora.


Em outro filme, um mesmo sacerdote, em vez da Bíblia, dava ao condenado um cigarro já aceso. Que ele tirasse algumas tragadas antes de ter a garganta estrangulada pela corda que o enforcaria.


Fui para casa e tentei os dois métodos de consolação, em condições mais suaves, pois não pretendia ser eletrocutado nem enforcado, pelo menos não naquele dia. Tentei o cigarro. Não foi nenhuma novidade, fumava naquela época o Continental sem filtro. Dei várias tragadas imaginando que seriam as últimas. Nada senti de especial.


Quanto à Bíblia, abri aleatoriamente o grosso volume da Sociedade Bíblica Brasileira, na velha tradução de João Ferreira d'Almeida, tive diante dos olhos o "Livro de Ezequiel", capítulos 23 e seguintes, que narram as prevaricações de duas irmãs, Ohola e Oholiba. Uma delas fornicava com todos os persas, e a outra fornicava "até" com os medas. O profeta Ezequiel não devia gostar dos medas, mas parece que tolerava os persas.


O trecho lido também não me consolou. Fiquei imaginando que teria melhor vida se, em vez de ter nascido no Lins de Vasconcelos, eu fosse um persa ou "até" um meda, desde que evitasse confusão com palavra parecida.


Folha de S. Paulo (SP) 18/3/2008