Ainda não está claro se Deus perdoará aos argentinos por não saberem o que estavam fazendo ao eleger Javier Milei. Afinal, Sua paciência tem limites, vide os flagelos, pestes e inundações a que condenou povos inteiros por não se comportarem como Ele queria. Além disso, Deus deve estar se perguntando se os argentinos não leem jornal. E, se leem, por que não aprenderam com o que aconteceu no Brasil nos quatro anos sob Bolsonaro, de quem Milei é só um pitoresco carbono.
Talvez, pensando melhor, Deus tenha decidido que o melhor castigo consistirá em deixar que os argentinos descubram por conta própria o que é ter um irresponsável no poder. Por irresponsável não se entenda louco —e eles já começaram mal ao chamar Milei de "El Loco"—, mas alguém que não responde pelas consequências de seus atos. De louco, Milei, como Bolsonaro, não tem nada. Sua imagem de canastrão é puro teatro, do descabelo oleoso às incorretices ofensivas, os discursos com palavrões e o cachorro morto com quem fala mediunicamente —lembra-se da ema a que Bolsonaro ofereceu cloroquina?
É o velho e previsível populismo. No Brasil, em 1959, Janio Quadros, para se passar por "homem do povo", posava com quepe de motorneiro de bonde, combinava o terno com uma alpercata chamada Sete Vidas e salpicava farinha na lapela para parecer caspa. Em 1989, Fernando Collor, ao contrário, exibia sua estampa de manequim de vitrine e era tão verdadeiro quanto. E, em 2018, Bolsonaro posava de arminha para vender segurança —Milei prefere a motosserra, embora quase não tenha o que desmatar.
Em comum entre eles, a hidrofobia, o ódio, o discurso antipolítica, antipartidos e anticorrupção e a promessa de chutar o balde para "mudar tudo". Todos se elegeram, mas a realidade já provou que não é possível governar sem partidos e sem políticos.
Com corrupção, sim, como Bolsonaro nos ensinou.