Uma amiga das lides educacionais telefona e pede orientação. Ela não está entendendo mais nada, a respeito da discussão em torno da maioridade penal. Se deve ou não ser reduzida para 16 anos.
Sabe-se que o presidente Lula é contra a mudança. Posição que é também a da CNBB. O ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, chegou a irritar-se quando o repórter lhe fez a pergunta. "Isso é inútil!" Alegou que nossos compromissos internacionais com a ONU impedem que se mexa na maioridade penal.
Existe, naturalmente, o outro lado. O advogado Ari Friedenbach, pai da jovem estupidamente assassinada, em São Paulo, defende a redução da maioridade penal. Houve uma passeata em São Paulo, outra no Rio, no mesmo sentido. E o rabino Henri Sobel radicalizou: "A lei judaica é contra a pena de morte, mas em casos assim sou pessoalmente favorável!"
O que nos parece indispensável e até mesmo inadiável é a mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente. Nunca foi um documento totalmente aceito pela nossa sociedade. Já existem 138 projetos na Câmara propondo alterações no ECA. Para o jurista Dalmo Dallari, "tem havido uma exploração desonesta da emoção pública, como se essas propostas resolvessem o problema da criminalidade."
Na verdade, estamos diante do velho truísmo: o que pode minorar essa situação de calamidade, no que se refere à delinqüência infanto-juvenil, é o aperfeiçoamento dos mecanismos educacionais. Pegamos uma doença tipicamente tropical que é a manipulação de números. Isso se exacerbou no Governo passado. Só se contabilizou a criança que entrou na escola - e assim chegamos a 95% de escolarização.
A verdade, no entanto, é que metade logo sai antes de completar a primeira série, seguindo-se um quadro lastimável de abandono. As crianças ou jovens de 12, 13, 14, 15 e 16 anos que assaltam e até matam são os evadidos das escolas, alunos carentes em sua maioria, conhecidos como "menores de rua", comprovação objetiva de que o sistema está falhando em sua missão.
A discussão está acesa. Um deputado quer reduzir a aplicação de penas severas para jovens de 13 anos, embora ele mesmo se autoproclame "defensor dos direitos humanos".
No Sesc/SP, por iniciativa do professor Danilo Santos de Miranda, realizou-se um Seminário Internacional sobre "Cultura e (in)tolerância". Num determinado momento, depois do enfoque sobre o mundo violento e catastrófico em que hoje vivemos, soou como uma doce melodia a expressão "cultura da paz", em que se insere a pedagogia da compreensão, afastada das escolas como se fosse um objeto de ridícula expressão.
A tolerância, no caso, é o que nos leva ao cultivo da esperança e da paz, sem deixar de existir uma clara evidência das exceções diárias que povoam nossos principais jornais e revistas. Crimes hediondos são cometidos por menores e as punições são leves, nunca mais de três anos de tratamento corretivo em abomináveis escolas que mais deseducam do que preparam os indivíduos com desvios de conduta. É isso que precisa mudar - e com urgência.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em 08/12/2003