Não me dei ao respeito de procurar saber por que a terça-feira de Carnaval é chamada de gorda. Poderia consultar o Google. Na última vez que o fiz, informaram-me que sou um pai-de-santo no Maranhão, famoso por unir casais separados e curar maridos embriagados.
O sujeito tem o mesmo nome, Carlos Heitor. No princípio, como lá está no Gênesis, era o verbo, que, no caso dele, era Cury, mas houve um erro no registro civil e ele ficou com o meu nome completo. Consta que dá muito trabalho consertar nomes no Maranhão, é mais fácil inventá-los, como o Sarney e o Gullar. Mesmo porque ele deixou o Cury inicial e se incorporou num pai Domingos cujas façanhas já foram cantadas em versos de cordel.
Perdida a confiança no Google, fico mesmo sem saber por que esta terça-feira é gorda. Parece que é coisa dos franceses, e houve época em que copiávamos os franceses, como hoje copiamos os norte-americanos até mesmo no Halloween, festa que nem é gorda nem magra, é apenas uma festa besta.
Da cultura francesa, herdamos coisas aproveitáveis, como o bidê, o michê, o minete - e paro por aqui para não ofender a moral e os bons costumes dos castos tempos que vivemos. Fiquemos na terça-feira, que é gorda -quando, para mim, ela sempre foi magra em forma e em conteúdo.
Em criança, quando o Carnaval era uma terra de ninguém em que valia tudo, o último dia do chamado "tríduo momesco" tinha a melancolia de coisa que vai acabar. Bom ou mau, alegre ou triste, o Carnaval funcionava como referência no calendário comportamental de todos, velhos, crianças, santos e pecadores. Hoje não faz muita diferença. Não fazemos Carnaval, assistimos ao Carnaval dos outros, patrocinado por empresas e governos.
De maneira que minha terça-feira de Carnaval é sempre magra em relação aos dias normais, que são geralmente mais gordos de espantos e intenções de serem melhores, ou, na pior das hipóteses, de serem o mesmo.
Folha de São Paulo (São Paulo) 28/2/2006