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Mãe é mãe e vice-versa

 

Ouvir o texto Diminuir fonte Aumentar fonte Em breve, o Dia das Mães. Eu sei, o comércio aviltou a data, mas assim é o comércio. O que importa é a mãe, não? Não para a literatura. Os poucos escritores que se ocuparam dela a viam como megera. Para que não se diga que isso é coisa de filhos ingratos, o exemplo clássico é a terrível Sra. Bennett, de "Orgulho e Preconceito" (1813), de Jane Austen. O teatro também não tem as mães em alta conta, vide a Medeia (431), de Eurípedes, e a Virginia de "Anjo Negro" (1946), de Nelson Rodrigues, ambas dadas a matar os filhos.

O próprio cinema já criou mães assustadoras, como a de James Cagney em "Fúria Sanguinária" (1949), velha e implacável quadrilheira por quem ele tem uma paixão incestuosa, e a monstruosa Rose, mãe de Gypsy Rose Lee em "Gypsy" (1962), que faz da filha uma estrela, mas não suporta seu sucesso.

A música popular, sim, principalmente a brasileira, criou mães inesquecíveis. Em "Mamãe" (1959), de Herivelto Martins e David Nasser, a filha tem saudade do passado: "Mamãe, mamãe, mamãe/ Eu te lembro o chinelo na mão/ O avental todo sujo de ovo/ Se eu pudesse, eu queria/ Outra vez, mamãe/ Começar tudo, tudo de novo."

Em "Coração de Luto" (1961), famoso como "Churrasquinho de Mãe", o gaúcho Teixeirinha chora: "O maior golpe do mundo/ Que eu já tive na minha vida/ Foi quando aos nove anos/ Perdi minha mãe querida// Morreu queimada no fogo/ Morte triste, dolorida/ Que fez a minha mãezinha/ Dar o adeus da despedida."

E "Coração materno" (1937), de Vicente Celestino? O filho mata a mãe pela mulher amada: "Chega à choupana o campônio/ Encontra a mãezinha ajoelhada a rezar/ Rasga-lhe o peito o demônio/ Tombando a velhinha ao pé do altar// Tira do peito, sangrando/ Da velha mãezinha o pobre coração/ E volta a correr proclamando/ ‘Vitória! Vitória! Tem minha paixão!’". E o coração ainda palpitante da velhinha o perdoa. Mãe é mãe e vice-versa.

 

 

 

 

Folha de São Paulo, 04/05/2024