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Machado em Portugal

 

Não são poucos os méritos do livro Machado de Assis e a mundana comédia: cinco peças teatrais. Não me refiro apenas ao recorte definido das cinco peças, mas à qualidade intelectual de dois raros leitores, Carlos Pereyro e Alva Teixeiro, feridos ambos pela palavra, autênticos lettraferits, e sem previsão de alta, graças a Deus!

Oferecem um prefácio que revigora a espessura do ensaio como gênero: a cena e os bastidores da escrita, fora dos maquinismos tradicionais, ensaio de intensidade ou, em outras palavras, um ensaio que literalmente ensaia,  e segue do centro para margem e da margem ao centro, de forma lúcida e lúdica.    

O resultado das qualidades apontadas resulta na leitura autônoma, sensível, criativa, que não procura satelitizar o teatro de Machado como um estranho meteorito de sua prosa, eclipsado pelo viés  intempestivo, de quem pensa a inteligibilidade do processo criativo de Machado a partir de sua presumida enteléquia, como se a obra teatral fosse apenas causa eficiente, mero devir, etapa imatura, no compasso de sua floração ulterior. 

Alva e Carlos deixam de lado esse pálido darwinismo da crítica machadiana, que vai perdendo força no Brasil, e mergulham na diferença específica, na sintonia fina das peças, isolando uma paisagem para alcançá-la, não como coisa em si, porque abertos aos ventos da história, mas ao longo das malhas de uma dramaturgia, dentro das coordenadas do espaço-tempo que as engendrou.

O ensaio introdutório responde pelo caráter inovador, com autonomia de voo suficiente para criar ruídos benfazejos para as cinco peças de Machado, como quem usa a grande angular da cultura, em sobrevoo, para capturar a imagem forte com as lentes em zoom, que é o que se espera de um sólido roteiro.

O livro organizado pelos professores Alva e Carlos encerra também uma sociologia oportuna a partir das peças machadianas que elucidam não poucos dilemas que hoje assombram o Rio e o Brasil, pressentidas pelas antenas sensíveis de nosso autor. Porque Machado viu mais longe e nos alcança, contemporâneo de um futuro sem aviso prévio.   

Comunità Italiana, 16/03/2017