Antecipando as celebrações do centenário da morte de Machado de Assis, acaba de ser publicada nova edição do primeiro texto importante a ter sido lançado após o desaparecimento do escritor. Com ele, seu autor, Alfredo Fujol, firmou seu nome em nossa literatura, num livro em que se revela ao mesmo tempo narrador e analista, levantando a história e a obra de Machado de tal modo que se transformou na base para qualquer estudo posterior a tratar do assunto.
O título do trabalho mostra sua origem: "Machado de Assis: Curso literário em sete conferências na Sociedade de Cultura Artística de São Paulo". Em texto lido antes da primeira conferência (foram todas feitas em 1917, oito anos depois da morte de Machado), Pujol explicou: "No tocante à forma, tive diante dos olhos a lição de Machado de Assis: "O melhor estilo é o que narra as coisas com simpleza, sem atavios carregados e inúteis."
E assim foi precisamente o que fez. Desde a primeira conferência, começa pelo começo: "Numa pobre habitação de agregados, dependência de antiga chácara do Morro do Livramento, na cidade do Rio de Janeiro, nasceu a 21 de junho de 1839 Joaquim Maria Machado de Assis, filho de um casal de gente de cor, Francisco José de Assis e Maria Leopoldina Machado de Assis. Era o pai humilde operário, pintor de casas. A mãe, nas horas que podia distrair dos cuidados da família, granjeava alguma ocupação nos serviços domésticos do senhorio."
Infância de Machado? Quieta e simples. Foi sacristão na igreja da Lampadosa. Muito cedo perde sua mãe e sua única irmã. Seus primeiros versos foram escritos para lamentar essas perdas.
As conferências de Pujol seguem passo a passo a laboriosa caminhada com análises de cada fase da obra de Machado, começando por uma coisa rara nos estudos machadianos.
Refiro-me à poesia de Machado de Assis. A força e o prestígio de sua prosa, o espantoso domínio de sua narrativa, como que deixaram de lado sua poesia, que passou por dois tempos, o primeiro mais ingênuo, o segundo digno de estar ao lado de outros poetas de seu tempo. Depois de dar atenção à poesia, ingressa Pujol, ao longo de suas sete conferências, numa avaliação precisa e minuciosa do que representa Machado de Assis para a cultura deste País, em que 180 milhões de pessoas falam a língua portuguesa, a que esse menino do Morro do Livramento deu nova dimensão e novo entendimento.
Pujol estuda, com uma rara clareza de linguagem, cada frase da obra literária do autor de "Quincas Borba", tratando minuciosamente de seus contos e realçando a importância de sua crônica, responsável pelo prestígio do gênero no País, ao ponto de hoje termos uma quantidade fora do comum de cronistas. Escreveu Machado de Assis em tal quantidade de crônicas, para diversos jornais, que um pesquisador com o talento de Raimundo Magalhães Jr. conseguiu pinçá-las em número suficiente para que fossem publicadas em livros na segunda metade do século XX. Raimundo pensou também numa coletânea de frases de Machado como "Antes cair das nuvens que de um terceiro andar", "Matamos o tempo, o tempo nos enterra", "Suportamos com paciência a cólica do próximo", entre outras, mas não teve tempo.
Alfredo Pujol tornou-se o estudioso mais citado em relação a Machado. Deixou também obras jurídicas e foi Secretário do Interior e Justiça do Governo de São Paulo quando Campos Sales dirigia o Estado. Ingressou na Academia Brasileira de Letras exatamente na cadeira nº 23, que fora de Machado de Assis e, em seguida, de Lafayette Rodrigues Pereira. Depois de Pujol, a cadeira foi de Otávio Mangabeira e Jorge Amado e está no momento com Zélia Gattai.
"Machado de Assis - Curso literário em sete conferências na Sociedade Artística de São Paulo" de Alfredo Pujol, é uma edição especial da Academia Brasileira de Letras, feita como parte das comemorações que a Academia promoverá no ano que vem pelo Centenário de morte de Machado de Assis, em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
Apresentação e quarta de página de Alberto Venâncio Filho, que assim completa seu texto: "Comentando, diz Alfredo Pujol, em frase expressiva, que "Machado de Assis, com a extrema originalidade que o caracteriza, não sofreu a ação ambiental de sua época; superior ao seu tempo, viveu a vida interior do pensamento criando com carinho obra extraordinária, de rara unidade e de sedutora beleza, que é o momento mais perfeito e mais sólido das nossas letras".
Tribuna da Imprensa (RJ) 14/8/2007