Houve tempo em que minha auto-estima andava lá em cima. Comprara um carro do ano, importado, o carro fazia sucesso, e minha estima pelo auto chegou às nuvens. Vivendo hoje mais modestamente, com carro nacional já velho de dois anos, não tenho motivo para estimá-lo, embora o trate bem e ele me retribua com excelente tratamento, nunca me deixando na mão.
Mesmo assim, tive um surto de auto-estima dias desses, vendo na programação infantil de uma TV a cabo um desenho do Johnny Bravo, um personagem ridículo e sem graça. Ele precisava fazer um teste de força para conseguir conquistar uma gatinha. Levantou um caminhão cheio de pedras, um navio de cruzeiro com 3.500 passageiros a bordo.
Só faltava uma prova para mostrar o poder de seus músculos: abrir um vidro de conserva, desses que têm uma tampa de metal fechando o conteúdo a vácuo. Ele não conseguiu e foi reprovado.
Folguei com o desenho do Johnny Bravo e recuperei minha auto-estima, que andava por baixo sobretudo quando necessitava abrir um pacote de chocolate, biscoito ou castanha de caju, desses que são colocados em cima do frigobar nos hotéis que me hospedam.
Era alta a noite, eu não havia jantado, estava com fome, preguiça de pedir qualquer coisa no room service. Apanhei um pacote com batatas fritas e tentei abrir. Por Júpiter! Tentei todas as maneiras, procurei todas as saliências do invólucro, invoquei frei Galvão, que meu pai invocava para abrir gavetas emperradas.
Desanimei. Pedi um misto-quente na copa, que levou meia hora para subir e matar minha fome. Senti-me o mais miserável dos mortais. Numa hora dessas, nem a imortalidade da ABL consola e eleva, como queria nosso fundador, Machado de Assis.
Devo a recuperação de minha auto-estima não a Machado de Assis, mas a Johnny Bravo. Não sei onde vou parar.
Folha de São Paulo (São Paulo) 16/10/2004