Uma tristeza, esse momento do país. Denúncia contra Temer arquivada, nova denúncia esperada. A profunda crise econômica mostra que seguimos pagando o preço da irresponsabilidade e incompetência da “nova matriz econômica” de Dilma e Mantega, de terrível memória. O PMDB continua o de sempre. O PSDB se esgarça, entre a gravação de Aécio e o pragmatismo que sufoca a ética. A atual oposição — PT e outros — repete o macaco da história: pendurado pela cauda corrupta, ri do rabo alheio. Até despencar do galho. Como se não fosse vergonha ter indignação seletiva diante da corrupção.
As coisas têm de mudar.
Não se trata apenas de dar um basta nesse descalabro e começar de novo, sem ao menos ter clareza de por onde iniciar. É fundamental saber o que pretendemos recusar. E para onde queremos ir.
Também precisamos ter noção das prioridades, do que deve vir primeiro na agenda, dos prazos que correm. Por um lado, há muita coisa a fazer em pouco tempo, exigindo foco nítido. De outra parte, não adianta querer tudo de uma vez, nos arriscando a não conseguir nada.
Substituir uma palavra de ordem por outra é só uma forma de autoengano, de dar a impressão de que se está fazendo alguma coisa, protestando. Mas pode não passar de ilusão a girar no seco, sem sair do lugar. Os meses se escoam. Não adianta só trocar o “não vai ter golpe” pelo “fora Temer”, e assim por diante. Já devíamos ter aprendido. O mecanismo de que falava José Padilha é poderoso. Tudo é feito para não dar certo, o país continuar desigual, e se manter quem já está no poder.
Algo tem de mudar, além dos slogans. Com alvos nítidos. Por exemplo, algumas regras. E logo. As eleitorais têm de ser definidas até o mês que vem, para cumprir o prazo constitucional de um ano antes das eleições. Os políticos preferem nem falar nisso, deixando tudo como está. Ou piorar ainda mais, para garantir sua reeleição — e o foro privilegiado que pode protegê-los da cadeia, ao ganhar tempo em sucessivos adiamentos e recursos, até o possível crime prescrever. Preferem mudar de assunto e trazer novos temas para desviar o debate público. Nem que seja o número de tornozeleiras de Goiás.
A operação abafa contra punir os corruptos é ostensiva, frisa o ministro Barroso. Inventam todo tipo de obstáculo às investigações. Fingem garantir os direitos de defesa — que precisam mesmo ser mantidos, desde que não sirvam apenas para alimentar manobras de adiamento. Ou disfarçam a inercia sob a capa de preocupação com abuso de autoridade, a ponto de congelar a ação investigativa antes até de começar. E propõem mudanças estratégicas no Código de Processo Penal.
De qualquer modo, temos pouco tempo. Doações de empresas já não são mais permitidas. Em seu lugar virá o quê? Como termos campanhas mais baratas? Debates mais diretos? Fim do marketing? Ou virá esse famigerado fundo de dinheiro público a rodo, que estão querendo implantar? A encobrir um jeito legal de transferir grana para os partidos, junto com o direito de eles escolherem para qual cacique vai nosso precioso voto. Vamos deixar?
E os partidos que se alastram feito mofo? Como vão ser controlados? Haverá cláusula de desempenho? De que tipo? Poderão fazer coligações? Dentro de que limites? Será possível lançar candidaturas independentes, de gente que não esteja filiada a qualquer partido? Em vez de se adotar o voto distrital ou misto, vai se consolidar o Distritão, para que tudo fique como está? Quem esclarece a diferença entre um e outro?
A Lei da Ficha Limpa ainda vale? Ou vai se fingir que ela não existe? Ao menos desistiram da emenda Lula, do deputado petista Vicente Cândido, que ia blindar candidatos réus nos oito meses antes da eleição. Valeu a pena reagir... Mas muitos dos ingênuos que pensam protestar se calaram.
Para atuar politicamente com eficiência, é melhor sair da inércia gritadeira de slogans. Começar a pressionar os políticos que achamos honestos (em qualquer partido, se é que existem) para que mudem o mecanismo que perpetua a corrupção. Não mais insistir nessas cruzadas de moralismo superficial a exagerar eventuais escorregadelas da Lava-Jato ou deslizes da mídia ( e eles existem). Há que ter um pouquinho de jogo de cintura que nos leve adiante. Temos de descobrir possibilidades de fazer alianças e aumentar a resistência.
As pesquisas de opinião mostram um descrédito geral. Segundo as mais recentes, 94% da população reprovam Temer, 90% não querem saber de Aecio, 80% rejeitam Lula, 67% execram Alckmin.
Podemos aprender com a experiência alheia. Nos EUA, as exigências de pureza ideal fizeram com que eleitores democratas, que só admitiam Bernie Sanders e se negavam a aceitar Hillary, ajudassem a eleger Trump.
Não adianta esperar o candidato dos sonhos. Salvador da pátria não existe. Cabe a nós a função de tocar para a frente. Quem não quiser ficar reduzido a ter de se jogar em um colo populista vai precisar engolir uns sapinhos. Melhor examinar girinos com antecedência e considerar alternativas, do que vomitar e chorar diante da urna.